Após dois anos e meio de restauro, Matriz de Nossa Senhora de Nazaré volta à comunidade de Cachoeira do Campo
Por Aline Monteiro
Em 2002, a comunidade de Cachoeira do Campo enviou ofício ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) solicitando vistoria na Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. O objetivo era conseguir o restauro da igreja, que apresentava alguns problemas. Rodrigo Gomes, morador do distrito e um dos responsáveis pelo documento, agora respira aliviado, assim como os aos moradores do distrito ouro-pretano: o templo, considerado a “joia do barroco mineiro”, está completamente recuperado e restaurado. “Quando o representante do Iphan veio nos visitar e viu as condições da matriz, o processo para o restauro foi acelerado. Havia um grande risco de incêndio. Hoje, há sensores e projeto elétrico adequados”, explica.
A comunidade cachoeirense se envolveu diretamente na busca pelo restauro do monumento. Mesmo pessoas de outras religiões, como evangélicos e espíritas, apoiaram a causa, por sua importância histórica e cultural. “Muita gente brigou pelo restauro, para ver a igreja pronta”, ressalta Rodrigo, que é tecnólogo em Conservação e Restauro de Imóveis e foi batizado na matriz, onde também atuou como coroinha. “Tinha o hábito de sempre entrar na igreja e rezar. Agora, finalmente, posso voltar a fazer isso”, comemora. Ele acompanhou de perto o trâmite para o início do restauro e, ainda, todo o processo das obras, ajudando até a tirar os bancos, quando os trabalhos se iniciaram. “Foi aí que vi que a situação estava pior do que achávamos”, pondera. Muito da madeira do altar-mor e dos altares laterais estava podre, a ponto de cair. Em pouco tempo, a igreja virou um canteiro de obras.
As obras
A igreja esteve fechada para a comunidade desde 9 de setembro de 2011. As obras tiveram início em maio de 2012. O canteiro só permitia o acesso dos envolvidos nos trabalhos. Quando os andaimes foram retirados, a população pôde voltar a entrar na igreja. E, oficialmente, no dia 29 de agosto de 2014, a Matriz de Nossa Senhora de Nazaré retomou suas atividades normais. A volta foi antecedida por três dias de festa, com a realização do Terço dos Homens e apresentações da Orquestra Ouro Preto e do Coral Canarinhos de Itabirito. A bênção do templo foi presidida pelo arcebispo de Mariana, dom Geraldo Lyrio Rocha. No dia 30 de agosto, teve início a novena, que termina no dia de Nossa Senhora de Nazaré, em 8 de setembro.
A paróquia e a comunidade se uniram para apresentar a nova igreja às crianças do distrito. O concurso “Orgulho de ser cachoeirense”, com o tema “Matriz de Nazaré, a joia cachoeirense”, foi desenvolvido para contemplar crianças de três a 12 anos, matriculadas na rede pública de ensino, premiando desenhos e redações sobre o monumento. A proposta é fazer com que os pequenos moradores do distrito recebam o legado de arte e cultura da Matriz de Nazaré.
A padroeira
A imagem de Nossa Senhora de Nazaré chegou a Cachoeira do Campo, provavelmente, em 1719. É toda em madeira e policromia. Em 2007, Rodrigo Gomes solicitou ao então pároco que a imagem fosse retirada do altar-mor para evitar danos. Por um período, ela ficou na sacristia e, em seguida, foi posicionada junto ao altar. A restauradora Bianca Monticelli foi a responsável pela recuperação da obra, com limpeza, imunização e acabamento final. “Foi um dos trabalhos mais importantes que já fiz”, destaca.
Em maio de 2014, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré voltou, finalmente, para seu lugar de origem. Rodrigo, que estava na igreja nesse momento, ficou emocionado, assim como outras pessoas da comunidade que, ao visitarem a obra, já viram a “Senhora soberana” no altar-mor, plenamente restaurada.
Bianca trabalhou por um ano nas obras de restauro, principalmente dando acabamento final às imagens. “É muito gratificante ter participado disso”, enfatiza. Além da imagem de Nossa Senhora de Nazaré, ela destaca o trabalho de restauro no forro do consistório da sacristia. Por ser bem diferente da igreja, considera-se que o forro era da capela original, mas não há comprovação histórica para o fato.
O restauro emocionante
Também fez parte da equipe o restaurador ouro-pretano Sidney de Paula Mendes, que ficou por dois anos e meio na obra. Para ele, o trabalho de restauro é sempre alegre: “Me realizo fazendo isso”. Sidney aponta que descobrir pinturas escondidas é sempre gratificante. Um destaque é a cimalha da capela-mor, onde foram descobertas pinturas originais, com influência chinesa.
O restaurador-chefe foi o ouro-pretano Sílvio Luiz Rocha Vianna de Oliveira, que se emociona com o grande desafio de trabalhar na matriz e resgatar a originalidade do templo. “A igreja estava fragilizada, descaracterizada, com muito ataque de cupins. Fizemos um resgate de materiais e da arte original daqui. Meu sentimento é de missão cumprida”, diz. Ele enfatiza que nenhum processo sintético foi utilizado nas obras de restauro. “Utilizamos os mesmos sistemas, processos e técnicas de douramento feitos pelos artistas do século XVIII”, exemplifica, lembrando que um ateliê de restauro foi montado dentro da nave da igreja para que a equipe pudesse trabalhar.
As peças que foram se soltando com o tempo eram guardadas pelos paroquianos na sacristia. Algumas delas não puderam voltar ao seu lugar de origem, pois este não foi identificado. Rodrigo conta que várias vezes escorou alguns dos elementos dos altares da nave. Sílvio aponta que o trabalho de restauro ainda resgatou jornais de 1951, que foram usados para tapar gretas na madeira, em vários pontos da matriz. Roberto Lima, artista e entalhador, de Mariana, refez os pontos em madeira que estavam desgastados ou não puderam ser recuperados.
Mais sobre a matriz
O estilo de construção da igreja é o Nacional Português, da primeira fase do Barroco Mineiro. Esse estilo é representante do momento artístico vivido na região das minas, cujo marco temporal é o ano de 1675. Suas principais características são as colunas em especial e as arquivoltas concêntricas nos altares. Paulo Krüger Corrêa Mourão, autor do livro As igrejas setecentistas de Minas, afirma que nada é “mais harmonioso e impressionante do que aquele conjunto de arcos concêntricos maravilhosamente trabalhados, dando, pela profusão do ouro e dos finos e variados lavores, a impressão típica do barroco - o sentimento da majestade, da grandeza, do luxo e da magnificência”.
A Matriz de Cachoeira do Campo foi construída pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. A data mais antiga documentada é de 1725, que já explicita as obras da igreja. Documentos comprovam que o teto da capela-mor foi pintado por Antonio Rodrigues Belo, em 1755. Foi a primeira pintura em perspectiva de Minas Gerais. Em 1890, o artista Honório Esteves, de Santo Antônio do Leite, produziu uma pintura sobre a de Antonio Rodrigues Belo. É a pintura de Esteves que está, hoje, no teto da capela-mor.
Sílvio Rocha descreve que os processos de restauro, com cortes estatigráficos, fluorescência de raios ultravioleta e ensaios de raio-x, realizados por laboratório da UFMG, garantem que a pintura de Belo está em 90% a 95% do forro. Mas não é tarefa fácil definir qual será a pintura oficial: uma das duas será perdida. Assim, quem visitar a igreja pode reparar os cortes deixados na pintura de Esteves, que permitem ver parte do trabalho realizado por Belo.
A igreja apresenta douramento (técnica em que se aplica laminas de ouro, em folhas extremamente finas, em pinturas, esculturas e objetos em geral, especialmente os de madeira) no altar-mor e nos altares laterais. O douramento do altar-mor foi realizado por Manoel de Souza e Silva de Vasconcelos, de 1733 a 1735.
Jair Inácio, famoso restaurador de Ouro Preto, também trabalhou em obras de restauro da igreja, na década de 1970.
Horários de missas:
• No segundo sábado do mês, às 19h.
• Todos os domingos, às 8h e às 19h.
Infomações:
(31) 3553-1796 (Escritório Paroquial), no horário comercial
O restauro em números:
• A obra demandou dois anos e meio de trabalho;
• Foram investidos R$1,8 milhões do governo federal, via Ministério das Cidades. O restauro da Matriz de Nossa Senhora de Nazaré é a primeira obra do PAC Cidades Históricas;
• A Prefeitura de Ouro Preto entrou com a contrapartida de R$200 mil;
• Foram 28 profissionais, entre restauradores, técnicos, auxiliares, artistas, cientistas, entalhadores, carpinteiros e historiadores envolvidos na obra;
• 300 chapas de madeirite foram usadas nos andaimes internos, para restauro do teto da igreja;
• O douramento dos retábulos e altares demandou de 2.500 a 3.000 folhas de ouro;
• Para a fixação das peças, foram utilizados mais de 10 mil parafusos de aço inoxidável. •
Fotos:Leo Homssi
Álbum de fotos