ATELIER G FORTES : São Bartolomeu em Quadrinhos
Exposição na Casa da Festa - São Bartolomeu /Ouro Preto
data: 8 a 10 de abril de 2016 - Festa da Goiaba
Gélcio Fortes (Desenho e Pintura)
Telefone: (31) 99167283
Texto: Angelo Oswaldo*
Foto: Gélcio Fortes, Por Eduardo Tropia
Uma série de desenhos de Gélcio Fortes constitui singular repertório das festas tradicionais de Ouro Preto. Ao dirigir o olhar para essas manifestações populares, cheias de encantamento, ele as recolhe, não na condição de documentarista do folclore, mas como partícipe da magia. O artista é íntimo da fábula ouro-pretana e cúmplice do inusitado.
Ouro Preto sempre aparece deserta no desenho que contempla o espetáculo de seus cenários. Guignard se permitiu, no máximo, colocar-se a si mesmo, num ângulo da imagem, junto ao cavalete e a bandeira do Brasil, incorporado ao devaneio. Gélcio Fortes vê a cidade povoada nos seus jubileus. O povo é protagonista e irrompe no proscênio. Mas, como tudo é mágico em Ouro Preto, as pessoas que aí se aglomeram parecem tão lendárias quanto a cena que animam. Estamos no “grande teatro do mundo”, de que falam os mestres barrocos.
O desenho acentua as características burlescas que enredam os festejos, resgata as linhas do surrealismo disfarçado nos usos e costumes, e enfatiza a dimensão onírica em que se desenvolvem essas antigas celebrações mineiras. Ora jocoso, ora ingênuo, o desfile não acaba. Como na obra de João Câmara, ou em Richard Lindner, as personagens que atravessam as cenas assumem um perfil insólito, pelo qual se tensiona todo o ambiente.
As folias que percorrem a cidade evocam a etimologia francesa – “folie” é loucura –, e desvelam a derrisão do cotidiano no cerimonial dos ritos. Gente da rua e tipos exóticos transitam pelos recortes surpreendentes, e proclamam a liberação sensual de seus segredos. O realismo mágico salta da literatura para o desenho e traduz as imagens com que o artista narra a encenação lúdica das devoções e crendices da fé popular.
O traço sensível, talentoso e requintado enriquece a composição, que parte do registro dos espaços históricos das festividades para o ritmo delirante dos cortejos de sonho. O Clube dos Lacaios, sociedade carnavalesca fundada em 1867, cadencia o seu Zé Pereira, arrastando uma legião de catitões e cariás, ao som dos clarins e tambores, por entre lanternas de velas. O Senhor dos Passos sobe a ladeira do passo de Antônio Dias, e a banda musical saúda o aniversário da cidade, na capela de São João Batista do Ouro Fino. Em São Bartolomeu, foliões do Divino anunciam a festa maior, e o mastro da bandeira se levanta, ao som dos fogos e vivas, no adro da matriz.
Anjos sobrevoam a cena, interferem na festa, fazem sugestões ao desenhista, enquanto balões, cometas e estrelas se entrecruzam no céu, para além das montanhas. O artista garimpa os tesouros culturais de sua terra, e Ouro Preto encontra, nessas obras, um espelho em que se iluminam as imagens mais peculiares do espírito do lugar.
Gélcio Fortes é desenhista e pintor. Foi aluno e professor da Fundação de Arte de Ouro Preto, FAOP, e dirige o Museu Casa Guignard, ligado à Secretaria de Estado da Cultura.
*Ângelo Oswaldo de Araújo é escritor, curador de arte e ex-prefeito de Ouro Preto.