Sexta feira. dezesseis de janeiro. Duas semanas de labuta e o ano ainda não começou na administração pública. O diário oficial continua a despejar as listas de expurgos e do processo de desorganização da estrutura de comissionados e contratados. Quem ainda não foi alvejado, pensa nas contas a pagar e aperta o cinto. Quem já foi, voltou ou não voltou, reflete agora no quanto faz falta o famoso e temido “aviso prévio”.
Eu confesso que, no início dessa enxurrada, bateu uma certa esperança de que se tratasse de uma medida sólida e fundamentada, para dinamizar a administração. Deus sabe o quanto isso tem sido reivindicado e necessário. Mas toda essa chamada “reforma” não guarda a menor semelhança com um real projeto de readequação dos recursos humanos, feito com consciência e com propósitos definidos. Se fossem explicar porque Fulano saiu e Sicrano ficou, porque Fulano voltou e Beltrano foi excluído, não saberiam dizer, porque quanto mais se exonera e se renomeia, mais parece que ficarão exatamente onde estavam. Ou pior.
Não adianta procurar uma lógica administrativa que vise um objetivo claro como eficiência. Parece ser o contrário. Funcionários que levaram algum tempo aprendendo os meandros de uma função, treinando normas e procedimentos para a execução de uma tarefa ou um programa, ficaram ausentes, foram ou serão substituídos ou deslocados, perdendo-se continuidade e treinamento. Sem falar no pânico e na permanente insegurança, daqui para a frente. Que benefício poderia trazer uma postura inconstante dessas?
Ora, poder-se-ia interpretar essa pretensa reforma como o enxugamento de uma economia premente, extinguindo funções ou cargos supérfluos. Mas as listas dos “ressuscitados” demonstram que não. Aparenta ser apenas um artifício burocrático, para dar alguma ilusão de controle no governo, mas as pistas são outras. Há secretários novos que não têm qualquer familiaridade ou competência técnica na área de expertise da função. Isso é grave e muito. Ouvi ontem que o critério de escolha foi o “QI” (entenda-se “Quem Indicou”). O Sr. Prefeito faz história, é certo, mas pode não ser uma de que a cidade se orgulhará, no futuro. Nada de medidas, planos de ação, metas, cronogramas, só projetos pelo meio, nenhuma luz no fim do túnel (que caiu no silêncio) nem saída rápida (pelo aeroporto ...). Nem se pode dizer que lavaram as mãos, porque água não há.
Senão se consegue enxergar a lógica administrativa dessa onda de demissões/renomeações, onde ficamos? A primeira conclusão parece simples. O Sr. Prefeito nunca logrou formar e fixar uma equipe politicamente articulada, integrada e sólida. Não se fez sentir o exercício de um poder de decisão inequívoco e permanente. Andamos todos aos sobressaltos, no escuro, onde nem sequer a lei de transparência é aplicada. Os estranhamentos começaram cedo, na escolha do secretariado, que sofreu com as indecisões e substituições. E essa, agora? Dir-se-ia que se trata uma cortina de fumaça para atender às demissões exigidas pelos adversários, sem parecer que o fez, (É só reparar em quem foi e não voltará.).
Enfim, a base política leandrista, se é que ainda existe, está irreconhecível, considerando a sua antiga trajetória no cenário partidário ouropretano. Muito mais digna, diga-se de passagem e que pode ter lhe valido a última vitória nas urnas. É provável que as mudanças de rumo resultaram na perda da necessária capacidade de articular as próprias forças, no governo da cidade. Perderam-se aliados de peso e o favor da opinião pública. Não admira que tenhamos resvalado para um quadro administrativo tão grave, uma situação financeira irrespirável. Culpa da perda de renda da mineração? Ora, convenhamos: a tendência de queda nos preços do minério começou, há quatro anos, ainda na gestão passada, não era coisa imprevisível, dava para administrar com cautela. E os embates e constante assédio do Ministério Público? Os sucessivos inquéritos e bloqueios da justiça?
Não se descobre uma linha ideológica, não há uma “cola” de pensamento comum que torne essa nova base governista convincente, em termos de governabilidade. Sem isso, o que os agrega de fato, num cenário potencialmente pleno de contradições? Num provável quadro sucessório, que fidelidade se poderá esperar, nos próximos embates internos dos partidos, quando essa virtude parece não ter mais qualquer significado? Há excluídos, há descontentes. E mais, o “outro lado” não terá também sua próprias estratégias de atração? Estarão mortos? Não creio.
Há ainda quem duvide da real liderança do prefeito à frente do executivo, preocupado e atormentado pela justiça eleitoral, o que explicaria essa formação anômala. Já ouvimos esse discurso. Há eminências pardas, as tais “forças ocultas” à la Jânio, que se arvoram em articuladores, mas que promovem estragos substanciais, no afã de cooptar “apoios”. A cada dia me espanto (ou não) com os nomes que vão se ajuntando a esse navio adernado. Até onde se pode inferir, essa reforma parece ter outro propósito e outra lógica.
Faltam 21 meses para as próximas eleições, que irão marcar para sempre a organização partidária e política da cidade de Ouro Preto. A luta que se está delineando, daqui para a frente, pouco ou nada terá a ver com a boa gestão da cidade, pois nada sugere a existência de consciência pública clara e notória. No fundo, essa manobra inexplicável faz supor que se trata, uma vez mais, tão somente, de uma aliança pela sucessão ou manutenção do poder. Se a cidade ainda funciona, devemos isso ao trabalho silencioso dos funcionários efetivos, felizmente imunes a essas trocas e experimentos, e à integridade de uns poucos. Do certo ponto para cima, a conversa é outra.
O que salva Ouro Preto é ser infinitamente maior que as ínfimas e passageiras entidades que a assombram, ocasionalmente. Apesar de tudo, sobreviverá, incorporando mais uma página triste à sua formidável história. Quem viver, verá.