Ciomara morreu e foi sepultada no São Francisco de Paula, da Ordem dos Mínimos. Cultivou essa devoção e deu exemplo franciscano. Viveu vida modesta. Desprezava cristãmente os bens materiais neste testemunho forte: foi desprendida do que tinha, acolheu e ajudou quem precisava. Seus alunos foram beneficiados largamente dessa virtude de gestos solidários. Demonstrava boa vontade em ensinar, emprestar livros, presentear com livros, abrir caminho intelectual e ter sempre uma palavra como professora, amiga e conselheira.
Fui sua aluna de Português na 4ª série ginasial do Colégio Estadual de Ouro Preto (hoje Marília de Dirceu). Ciomara nos trouxe novidades da literatura brasileira, apresentando outros nomes, além de Alencar e Machado. Pelas sua orientação, li pela primeira vez José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queirós, Ciro Versiani dos Anjos, Waldemar Versiani dos Anjos e conheci Meus verdes anos, Menino de engenho, Capitães da areia, Os velhos marinheiros, Fogo morto, Vidas secas, O quinze, O amanuense Belmiro, O jornal do Serra Verde! Conheci a poesia concreta, o poema-processo, Wlademir Dias Pino, Décio Pignatari, Mário Chamie. Para além desses nomes, porém, o importante foi constatar que a “moderna” narrativa brasileira tratava de pessoas comuns, seus dramas e problemas cotidianos, profundamente humanos.
Sua casa era aberta aos alunos, a pequena casa da Travessa do Arieira, que conhecemos como remanescente da feição colonial ainda autêntica, pequena e humilde, como eram simples seu pai Sô Martinho e a mãe, Dona Áurea.
Ciomara deixa um vazio sem reposição na galeria de professores marcantes que tivemos. Formada na Faculdade de Letras da UFMG, dedicou-se ao ensino de Inglês em que fez carreira, educou muita gente, escreveu textos técnicos de tradução/versão, formou outras professoras que a substituíram no Cefet (hoje IFMG) e na UFOP onde se aposentou. Mudando-se para Mariana, passou a ensinar Espanhol, como professora colaboradora no Seminário Menor onde teve brilhante desempenho.
Durante o carnaval, em fevereiro último, no Retiro das Rosas, Ciomara estava triste, arrastando uma doença longa e complicada, dependente de cuidadora. Tomava muitos remédios e andava com dificuldade, mas a memória lúcida deixava sobressair a inteligência privilegiada no pouco que falava. Ainda tentava ler. Desenhou alguns planos para o futuro em conversas no refeitório ou na sala de estar daquela hospedaria tão acolhedora. Perguntou por outros ex-alunos, lembrou alguns acontecimentos de que tínhamos participado. Não escondia, entretanto, aquela sombra de solidão que sempre percebi nela, mas que tentava dissimular.
Ciomara merecia certamente muito mais do que lhe retribuímos, em reconhecimento de suas virtudes de Professora e dedicação à juventude em Ouro Preto.
Que sua memória passe a iluminar nossos valores.
(Francelina Ibrahim Drummond)