Artista diz trabalhar com materiais que estão ao seu redor, mas só modifica o que se permite ser modificado
“Meus trabalhos criam relação com o invisível, com energias que nãoconseguimos ver, apenas sentimos”, avisa o escultor Advânio Lessa, de 34 anos, que vive e trabalha em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto. “Se você observa uma árvore viva ou que passou para outro estado, entende que o corpo dela é um modo de a planta criar relação com o universo, entre a terra, o mundo subterrâneo, e o ar, as estrelas, a lua”, acrescenta, conclamando à observação ampla das obras.
Até 20 de setembro, Lessa apresenta sua primeira individual em BeloHorizonte, na Grande Galeria do Palácio das Artes, com curadoria de Sérgio Rodrigo Reis. Trouxe do ateliê quase uma centena de obras em cestaria e outros materiais, realizadas entre 2007 e 2012, compondo três grandes conjuntos voltados para interpelar a matéria, o espírito, a vida e a arte em suas distintas manifestações. “Não estou falando só de entender, mas também de compreender e respeitar o mundo. E não só o dos humanos, mas de todas as coisas vivas que têm iguais direitos”, explica.
As quase 100 peças, explica o artista, compõem uma única grande obra, cujo motivo é “a energia do nascimento”, composta por três seções: Embrião, Turbulência e Nascimento. A primeira delas, com cerca de 15 itens, remete a “processo de ‘deslumbrância’ com as coisas”, “a energia do primeiro encontro”. Turbulência lembra um sentimento necessário –“a explosão, nascida da união da matéria com o espírito”. Alude, ainda, a um “atravessar a escuridão, que leva a aprender a conviver com nossas flores e espinhos”. Nascimento traz “sensação de paz, o ver, sentir e compreender as coisas”, depois de experimentar todas essas etapas.
“Só passando por esses estágios podemos ter, com consciência, o domínio para poder sentir a plenitude das coisas”, enfatiza Lessa. Trata-se de processo de crescimento, “essencial para chegar a outra situação, seja material ou espiritual”. O artista avisa que não procura criar figurações desse processo, mas está apresentando obras (de chão, de parede, no ar) em que “aplicou as energias” de cada um dos momentos. “Inclusive para não repetir as formas”, observa.
OBSERVAÇÃO As esculturas, diz ele, nascem da observação das coisas (“e do sentido”) à sua volta. “Procurando compreender o que elas falam comigo, só posso modificar o que existe, isso se as coisas me permitirem modificá-las. E vou construindo a história do material, o sentimento, transformando uma energia em outra com martelo, terra, silêncio e pedacinhos da minha história”, explica. O conjunto Nascimento integra série ainda maior. A primeira parte, chamada Mergulho, já foi apresentada. No momento, o artista está trabalhando na seção Vida. O quarto passo será Transparência.
Lessa é filho de mãe cesteira e pai tropeiro. “Com eles, aprendi a essência da natureza. Com o meu pai, a da natureza bruta; com minha mãe, como modular essa natureza bruta. Criar suas peças, conta o artista, é trabalho que consome tempo, às vezes anos, mas ele não se incomoda. “Gosto quando estou cansado. É aí que a gente testa o quanto ama o trabalho da gente, o bem fazer. É como dizia meu avô: corpo cansado, cabeça limpa.”
Suas esculturas foram selecionadas pelo curador e artista plástico Emanoel Araújo para a exposição A nova mão afro-brasileira, apresentada em 2014, no Museu Afro Brasil, em São Paulo.
MINEIROS
A mostra de Advânio Lessa integra o projeto Arteminas, da Fundação Clóvis Salgado, cuja proposta é promover o trabalho de artistas plásticos de diversas gerações. As primeiras exposições são a de Lessa, na Grande Galeria do Palácio das Artes; Carne viva, de Domingos Mazzilli, com curadoria de Susan O. Campo, na galeria Arlinda Corrêa Lima; e Entreatos e notas, de Rafael Zavagli, com curadoria de Júlio Martins, na Galeria Genesco Murta. Visitação gratuita de terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h, e domingo, das 16h às 21h. Em cartaz até 20 de setembro. Os espaços ficam na Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro.