Prezados Senhores,
Fica expressa neste texto uma denúncia. Denúncia do descaso com o patrimônio histórico de Ouro Preto. Denúncia de uma prefeitura que não tem nenhum compromisso com a cidade e sua importância histórica.
Pelo que pude ver e ouvir quando da visita à cidade (eu, juntamente com meu marido e uma amiga), no período de 08 a 11 de julho de 2016, o prefeito José Leandro Filho não deve entender o que significa para uma cidade ser declarada Monumento Nacional em 1933, tombada pelo Iphan em 1938 por seu conjunto arquitetônico e urbanístico e ter sido declarada pela Unesco como patrimônio mundial em 5 de setembro de 1980, sendo o primeiro bem cultural brasileiro inscrito na Lista do Patrimônio Mundial.
E por que falo isso? Pois foi justamente neste período que vimos e vivemos dias de horror na cidade.
Não é minha primeira visita às cidades históricas que eu amo de paixão. Mas seria a primeira vez que ficaria três dias consecutivos na cidade, pois era um sonho ver Ouro Preto à noite. Um sonho que virou pesadelo. Para mim, meu marido e minha amiga e tenho convicção, para todos que pretenderam fazer uma viagem cultural à Ouro Preto nesse fatídico final de semana.
Já no dia da chegada, no nosso primeiro passeio pelo entorno do hotel, especificamente na Praça Tiradentes, nos deparamos com um enorme palco montado junto às escadarias do Museu da Inconfidência e logo à frente dele, barraquinhas para vender comidas e bebidas, tudo preparado para os shows que seriam realizados nos próximos 3 dias.
Confesso que essa visão dantesca já nos causou grande decepção, pois tudo que um turista não espera encontrar é um palco encobrindo um prédio histórico, onde funciona um museu e muito menos barraquinhas ao lado de um marco histórico da cidade. Mas não foi só.
Além do palco, das barracas, um trânsito caótico e liberado nas ruas históricas. Carro por tudo quanto é lado, passando pelas ruas que abrigam casas históricas, frágeis, e que dão charme à cidade. O incômodo só aumentava. Mas o pior estava por vir.
Ao contrário do que esperávamos encontrar no centro histórico, que seriam apresentações do Festival de Inverno que segundo informações era uma atração já tradicional da cidade, que era promovida pela UFMG, fomos surpreendidos pela programação que a prefeitura preparou para comemorar o aniversário da cidade.
Sem entrar no mérito da qualidade das atrações escolhidas pela prefeitura, pois gosto é gosto, de Festival de Inverno quase nada. E as poucas apresentações programadas (e inexpressivas) eram apresentadas no Teatro Ouro Preto, ou seja, um espaço um pouco afastado do centro onde se situam os hotéis. Segundo os próprios moradores, quando o festival ficava sob a responsabilidade da UFMG, a qualidade e diversidade da programação era de melhor qualidade. Enfim. Esse não foi o maior problema.
O problema foi ter que conviver com a desordem promovida pelo governo municipal, ou seria desgoverno? Nos dias em que lá estive, o palco da Praça Tiradentes foi usado para apresentações de caráter popular (ou eleitoreiro talvez), conforme pode se constatar....
Sexta, 08 de Julho
× 20h - Cortejo do Bloco Zé Pereira Clube dos Lacaios
× 21h – Nosso Stylo
× 23h - Henrique e Diego
Sábado, 09 de Julho
× 21h - Os Traias
× 23h – Falamansa
Domingo, 10 de Julho
× 17h - Imaginasamba
× 21h – Felipe Araújo
Com exceção da apresentação do Bloco Zé Pereira Clube dos Lacaios que animou e carregou centenas de pessoas (famílias inteiras, crianças, bebês, idosos, jovens) até sua sede, as demais apresentações nada lembravam a cultura regional. Nada contra a opção feita pela prefeitura quando da escolha da programação, mas para quem esperava curtir um Festival de Inverno, a desilusão foi total. E por quê?
Simplesmente porque ficou impossível andar pelas ruas do entorno da Praça Tiradentes. Praça tomada por jovens que bebiam muito, pois, a oferta de bebidas alcoólicas era farta, não só as vendidas pelas barracas, mas também as que eram vendidas por ambulantes, além do uso de droga e o som alto. Ah, o som...
O som ligado nas alturas, produzido por potentes caixas de som instaladas no palco, que seguia até às 2 horas da manhã. Para se ter uma ideia, eu não conseguia ouvir o que meu marido falava, estando ao meu lado. Era preciso gritar no ouvido do outro para conversar.
Para quem, como nós, instalados no hotel Brumas, coladinho à Praça Tiradentes, dormir foi impossível. Ou seja, você vai fazer turismo em uma cidade histórica, que exige que você ande o dia todo para apreciar e conhecer o patrimônio, e chega à noite você não consegue dormir. Porque o prefeito resolveu que os shows começariam às 11 da noite!!!!!
Mas para além do desrespeito com o turista, os shows começando em qualquer horário que fosse, tem o patrimônio. Esse não pode reclamar como eu, mas vai cobrar seu preço. E Ouro Preto vai pagar caro por isso.
Estudos comprovam que o som alto pode danificar patrimônio histórico. Os prédios seculares podem apresentar danos, tanto pela exposição às intempéries, como pelas vibrações provocadas pelos altos decibéis de trios elétricos e shows. E foi o que aconteceu em Ouro Preto.
Uma breve pesquisa sobre o assunto, encontrei estas notícias que podem ilustrar o absurdo que foi feito pela prefeitura:
§ Som do Rio Parada Funk danifica esculturas de exposição do MAM - Vibração provocada pelo som alto acabou por derrubar peças de uma mesa(http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/som-do-rio-parada-funk-danifica-esculturas-de-exposicao-do-mam-27062016)
§ Show de McCartney danifica pinturas na Rússia(http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI331598-EI1267,00-Show+de+McCartney+danifica+pinturas+na+Russia.html)
§ Museu londrino cancela show de heavy metal temendo danos pelo ruído http://br.reuters.com/article/entertainmentNews/idBRSPE92J03920130320
O próprio Ministério Público de Minas Gerais, por meio da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), em 2014, definiu regras para a realização de eventos públicos na cidade de Ouro Preto, em função dos abusos cometidos no carnaval. Mas me parece que elas foram ignoradas pelo Sr. Prefeito.
Entre as regras se definia que a instalação de barracas, palcos, arquibancadas, som, telões deveria guardar distância dos bens culturais e que o órgão de proteção do patrimônio deveria ser consultado antes da instalação desses equipamentos. Será que o Iphan autorizou esse crime? Boa pergunta. Alguém pecou, ou por omissão ou por negligência/irresponsabilidade.
Não podíamos andar pela praça e nem frequentar os restaurantes e cafés ali localizados. O barulho e a alta concentração de pessoas, somados ao alto consumo de álcool criavam um cenário assustador. Isso sem contar o lixo espalhado pelas ruas. Um cenário de horror!!!!
Imagine um turista estrangeiro vendo tudo isso. Imagine alguém que vem de longe conhecer uma cidade declarada pela Unesco como patrimônio mundial se deparar com uma situação como essa. Imagine um turista ver jovens subindo nas estátuas e monumentos tombados. Imagine um turista ver crianças comprando e consumindo bebidas alcoólicas livremente, além de drogas. Imagine.
O dia seguinte não poderia ser mais trágico. Lixo, sujeira por todo lado. Urina, vômito, vidros, latas, papel, camisinhas, tudo ali, espalhado pelo centro histórico. Comerciantes lavando calçadas. Mal cheiro.
Tristeza e revolta. Não tenho nada melhor para descrever meus sentimentos que ficaram dessa viagem. Revolta por ver que tudo isso foi bancado com dinheiro público e aprovado por uma prefeitura, para ser suave, irresponsável. Tristeza por ver uma cidade tão cara para mim estar sendo destruída.
Qual legado o governo municipal e outras autoridades vão deixar para a futura geração da cidade? Que exemplo esses jovens recebem do poder público? Aprendem, certeza, que cultura é uma coisa que não tem valor para a própria prefeitura de Ouro Preto.
Onde estavam Iphan, Câmara Municipal, Ministério Público, comerciantes, enfim, toda cadeia de instâncias que deveria agir para proteger Ouro Preto, nosso patrimônio? Onde estavam as instâncias que deveriam proteger nossas crianças e jovens da violência, do abuso de drogas e álcool? Quem vai ser responsabilizado por tudo isso?
São muitas perguntas que acredito seguirão sem resposta. O estrago está feito. Assim como eu, muitos outros turistas com quem falei, assustados com o que viram, não voltarão a Ouro Preto. O poder público está matando o turismo da cidade.
Espero que aconteça uma reação dos empresários da cidade para impedir que prefeitos irresponsáveis continuem a agir contra os interesses da cidade. Espero que as instâncias legais cobrem da prefeitura a responsabilidade que ela teve ao promover um espetáculo tão degradante.
Esse texto segue com cópia a todos que deveriam ter impedido que esse espetáculo de horror acontecesse. O que aconteceu infelizmente não há como remediar. Mas espero que sirva de lição para que NUNCA mais aconteça.
Respeitosamente,
Gilda Azevedo (São Paulo/Capital)