Prof. Carlos Eduardo Lisboa (*)
Nos idos dos anos setenta, a Escola de Farmácia de Ouro Preto vivia, com seus catedráticos, bedéis e alunos, uma fase de apogeu em sua história.
Distinguia-se a competência de seus mestres e a perfeição da franca convivência entre eles, os seus alunos e, sobretudo, com seus dedicados auxiliares, os bedéis, que desempenhavam as suas obrigações como verdadeiros escudeiros desses cavalheiros, hoje todos desaparecidos.
A história de Jorge Luis da Silva, o valete de mestre Badini, deve ser lembrada não só pela camaradagem mas também pela sua bondade. Foi uma figura alegre e cheia de simpatia, mas, sobretudo, um distinto entre os outros pela sua extremada dedicação ao afamado Herbário desta famosa Escola.
Tenho a certeza, com convicção, de que Jorge foi um dos maiores discípulos da Botânica Sistemática e um dos melhores alunos do mestre Badini, apesar de sua educação limitada ao primeiro grau. Ele aprendia com rapidez e assim se sobressaiu. Com este mestre, coletou uma variedade imensa de plantas que hoje fazem parte do importante acervo de excicatas do agora denominado Herbário José Badini de nossa Universidade Federal de Ouro Preto.
A figura do estimado amigo Jorge nunca vai desaparecer de minha lembrança e agradeço suas contribuições para o meu engrandecimento profissional na Botânica aplicada à Farmácia, ou seja, na Farmacognosia. Quantas vezes procuramos juntos material para as aulas, e se me falhava algum nome, pelo telefone ele logo me satisfazia com sua prodigiosa memória.
O “Jorge da Botânica” ficou conhecido em todo o país como coletor, e cientistas famosos o respeitavam e logo se tornavam seus amigos. Fizesse chuva ou sol tinham o Jorge sempre alegre e disposto a leva-los ao campo para localizar os holotipos e paratipos de vegetais de nossa região: descrevia as principais características das espécies com o desembaraço e a autoridade do verdadeiro sábio que foi. Sempre humilde, soube compartilhar sua inteligência temperada com muita alegria.
Jorge de coração puro e amável. Jorge o pintor de paredes. Jorge o carregador de merendas de nossas excursões ao Pico do Itacolomi. Jorge o contador de casos e inventor de piadas. Jorge que viveu sem pretensão, sem vaidade. Jorge o elegante e exemplar pai de família.
Enfim, a vida que para alguns pode ser complicada, para Jorge não foi. Enfrentou seu padecimento final com valentia e foi resignado com sua sorte, sem reclamar.
O que é a lembrança dos que partiram desta vida?
Para nós que continuamos nesta jornada, a alma poeta de Manuel Bandeira assim escreveu:
Onde estão o Jorge e muitos outros?
“... estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente...”
Por outro lado, podemos rezar, repetindo com fervor e lembrando que, em algum lugar, você merece estar junto de Deus, meu querido amigo:
“Coração Santo, tu reinarás
Tu, nosso encanto sempre serás.”
(*) Professor aposentado da Escola de Farmácia da UFOP.
Foto Jorge Luis da Silva (crédito Victor Godoy)