Saio do cinema. Olhos vermelhos. Apesar do esforço, não contive as lágrimas ao ver "A senhora da van", baseado no livro de Alan Bennet. A personagem principal, uma lady inglesa, por alguma razão, me lembrou Tio Décio, aquele que dizia: ̶ "Blima, você passeia de Rolls Royce no meu coração".
Tantas histórias se encerram com a morte... Quantos filmes a vida de cada um daria?
O olhar de um autor ou cineasta eterniza algumas delas. Belos roteiros tem argumento banal, coisa que só autores e cineastas enxergam, porque veem poesia além dos fatos. Pra mim, são criaturas além de nós, simples mortais. Imagino-os flutuando num Olimpo de gênios.
E saio dali, caminhando pela Gávea no Rio, olhando cada uma das pessoas e as histórias que estariam por trás delas. Na verdade, sempre fiz isso. Algo dolorido pra mim. Olho pessoas e imagino segredos. É algo involuntário, que brota na mente como um supraolhar. Isso não me deixa em paz.
Desce do ônibus uma moça roliça. O sutiã está à mostra. Trocamos olhares tristes. Teria alguém a esperá-la em casa? Algo pra dar alegria depois de horas na condução lotada?
Na praça, uma menininha rebola e canta distraída. Subitamente para ao me ver olhando.
Alguns passos à frente, uma casa antiga, com jardim cuidado me transporta ao passado. Teria morado ali uma enfermeira metódica? Imagino-a como moça bonita, sempre bem penteada. Acordava cedo para o serviço. Voltava pontualmente às cinco, quando sua mãe a esperava com quitutes e café. Trocava olhares furtivos com o doutor casado. No recato de suas roupas brancas, nunca se declararam. A paixão ficou velada no ar, nos corredores do hospital, como promessa de eternidade. Morou ali até o fim de seus dias, cuidando das roseiras até que os anos lhe roubaram todo o viço da face.
Já na Rua Pacheco Leão escuto um sotaque gringo. Passam por mim conversando um rapaz loiro de barba e outro moreno, cabelos lisos, como um índio Apache. Agora estou nos Estados Unidos e, em algum lugar no tempo, imagino cowboys brigando com tribos nativas. Séculos depois, ali estão seus descendentes, passeando felizes pela América do Sul.
Neste momento já estou flanando. Não sinto meus pés no chão. Flutuo, como se fosse apenas dois olhos e a mente a vagar pelas ruas da capital carioca.
Segue-se uma buzina no trânsito. Caio do transe. Minhas pernas estão doloridas.
Me aproximo do condomínio. O porteiro me olha com ar de tarado: ̶ Fique bem à vontade, diz ele, olhando meu decote.
Bem-vinda ao mundo real.
11 de abril de 2016
Blima Bracher
Jornalista/ Documentarista