Maria da Consolação Anunciação
Maria Agripina Neves
Salve oh Mater singular, padroeira vitalícia/de Ouro Preto secular/Que com a coroa pontifícia/ Maior que a do soberano, vem a fonte te adornar/ Ó Mãe dos ouropretanos, Ó Senhora do Pilar.
1 Ouro Preto ao te coroar/ te bendiz e te glorifica/ Salve ó Senhora do Pilar/ Da mui heróica heroica Vila Rica.
2 No seu sexto cinquentenário, canta exaltando a sua glória/ Este Ouro Preto legendário/ Que te prendeu a sua história.
Este artigo se volta para a letra do Hino de Nossa Senhora do Pilar intitulado Salve oh Mater Singular, cantado na Basílica de Nossa Senhora do Pilar (desde 1963), em Ouro Preto, quando Sua Santidade o Papa João XXIII, elevou e consagrou Nossa Senhora do Pilar, como Padroeira Pontifícia da cidade de Ouro Preto. A letra desse hino é de autoria de Dr. Herminio Babosa e a melodia de Luiz Marzano, e foi composto especialmente para celebrar a ocasião. Pretende-se assim, refletir sobre a comunicação simbólica que existe entre a letra desse hino e o espaço arquitetônico dessa Basílica. Ele é cantado na celebração de aniversário mensal da Basílica todo mês, no dia quinze, e especialmente durante as comemorações que acontecem em agosto na festa em homenagem a Virgem do Pilar[1], integrando-se à liturgia do momento.
A Basílica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, possui, dentre outros aspectos do estilo Barroco, linhas curvas das plantas e volumes da arquitetura religiosa mineira com suas formas geométricas de elementos físicos. Estudiosos falam também de unidade em arquitetura, lembrando um espaço exterior. E especialmente na Basílica de Nossa Senhora do Pilar, afirmam, existir normas de composição que parecem haver sido construídas em benefício de uma “globalidade unificante” aplicada exclusivamente a uma unidade múltipla, através de suas arcadas circulares de origem bizantina[2]. Seu espaço físico segue um modelo de jogo permanente de proposições artísticas, quando se fala de estilo barroco em Minas Gerais. A tendência para a curva envolve toda a nave que, construída em retângulo, apresenta-se, inteiramente, pela colocação estudada de seus altares[3]. No altar central, encontra-se a imagem de Nossa Senhora do Pilar, venerada pelos cristãos no mais íntimo sentido de devoção e de manifestação da fé.
Lembrando o espaço interior, arquitetos também afirmam que essa Basílica possui ornamentos característicos da arquitetura espanhola, formando um estilo, pelo qual, tudo conduz para a interiorização[4]. Assim, nessa Basílica, toda arte é contida pela sua forma unitária, pela profundidade, e, sobretudo, pelo ponto de convergência visual que inspira o homem e comunica o espírito cristão. Seu estilo singular abre-se a todas as variantes, enquanto tradição, cultura e história; mas, é autêntico, principalmente, pela manifestação da fé e pelo simbolismo que seu espaço interior oferece. É uma arte que inspira a religiosidade e favorece uma comunicação entre as suas várias linguagens e com os fiéis ou admiradores que a aprecia[5].
Nesse cenário significante, o texto do hino Salve ó Mater Singular, torna-se relevante, dentre várias outras músicas e orações que conduzem as celebrações em comemoração a Nossa Senhora do Pilar. Ele resulta sempre o mais revelador de um edifício do culto que traz a envoltura da construção religiosa, vazia em si mesma, se considerada exteriormente, somente uma arquitetura, mas, rica pelo conteúdo da fé. Pilar, cujo sentido etnológico quer dizer coluna. Nossa Senhora do Pilar, aquela que sustenta, apoia e recebe, coroada no Brasil, desde os tempos coloniais por grandes e pequenos, negros e brancos, pobres e ricos, por várias classes sociais, venerada em várias linguagens artísticas que se comunicam.
Uma correspondência entre a letra do citado hino e o espaço social que ele ocupa revela, em sua integração, juntamente, com as formas geométricas das artes, nos remete e faz refletir sobre esse sentido etnológico. Pilar que primeiramente é um espaço físico bem traduzido pelas artes, mas, enriquecido por elementos que o transcendem, carregados de história, de fé e de religiosidade. Salve, oh Mater singular, a Mãe singular, de Ouro Preto, coroada como rainha maior, “padroeira vitalícia de Ouro Preto secular”. Aí, a linguagem metafórica presente tanto no cenário arquitetônico da Matriz, como na letra do hino tomam vários sentidos. Sejam esses sentidos cronológicos, festivos, etc, é pelo simbolismo da história social que essa linguagem se inspira, às relações de cultura e de épocas diferentes, a saber, em Ouro Preto, especialmente, desde o Século XVIII, até o tempo presente.
Entretanto, é na significação do termo “coroa pontifícia” que se encontra o espírito maior de comunicação, o vinculo de união, seja entre classes sociais, seja no tempo passado e presente, seja no cenário cultural antigo ou atual que a contextualiza. E a noção de conjunto coerente, porém, formando um todo é percebida como unidade. Esquematicamente, assim se manifesta o fenômeno: unem-se os indivíduos em torno de uma rainha coroada nesta Basílica em suas festas para alegrar o povo sem diferenciações maiores, visto que todo irmão, para Deus se apresenta igualmente esperançosos e homogêneos. Pela coroa, o verso “maior que há do soberano, vem a fronte te adornar”, toma sentido de convergência entre o céu e a terra, entre o exterior e o interior do espaço sagrado, de todas as artes nele presentes, que condizem à veneração de um só Senhor, Jesus Cristo, Filho de uma Virgem especial e única, a quem se deve toda a exaltação da coroa: “Mãe dos ouro-pretanos, Oh, Senhora do Pilar”.
As invocações, de preferência muito acentuada em Ouro Preto pela Virgem Maria, em suas variadas representações, e nesse caso, com o título Nossa Senhora do Pilar retratam um apreço importante pela figura feminina, glorificada em Maria, confrontando com os reis, desde o Século XVIII, e grandeza dos pequenos, socorro para todas as classes nessa região. Ouro Preto a te coroar/ te bendiz e te glorifica/ Salve ó Senhora do Pilar/ Da mui heróica Vila Rica: glória que a história não modifica e não se acha somente forçada à determinada compreensão de si mesma, mas, de toda uma religiosidade inserida pela cultura, pela tradição e, sobretudo, pela expressão profunda que tomou sentido temporal na essência da fé. A coroa, símbolo que é, seja contido no hino, seja na expressão geométrica que condizem com os aspectos físicos da arquitetura da Basílica de Nossa Senhora do Pilar, participa de vários modos, de várias linhas de tempo; de muitas posições e classes diferenciadas, que se adaptam às estruturas do espaço sagrado e das formas sociais como um viver e um sentir da fé.
O Hino Salve oh Mater Singular faz sentido profundo no tempo e no espaço em que é cantado, comemorando anos de história em que a Mãe de Jesus foi e continua sendo coroada como Padroeira de uma cidade, venerada com o título Nossa Senhora do Pilar, distintivo de Ouro Preto. No seu sexto cinquentenário, canta exaltando a sua glória/ Este Ouro Preto legendário/ Que te prendeu a sua história. História essa que agora conta com uma linha de tempo privilegiado que lhe corresponde, mas, em que o pluralismo das gerações multiplica as combinações uniformes pela unidade cristã. A singularidade do espaço exterior da Basílica e sua arte interior inspiram à simbologia cristã. A coroação e a liturgia nela celebrada marcam o tempo e a história de Ouro Preto, onde tudo exalta a glória da Mãe de Jesus,
Assim, pode-se refletir mais profundamente sobre o hino e sobre o sentido sagrado da súplica Oh Senhora do Pilar. Pilar, que na arte da arquitetura depende da matéria grave, do elemento físico. Entretanto, torna-se uma base santificada como elemento sensível por meio de um princípio espiritual o qual dá uma existência real e viva, já não mais somente pela arte em si, mas, pela fé e religiosidade. Salve, oh Mãe singular, súplica dos fiéis numa dimensão profunda, cujo texto inserido na música torna-se uma manifestação exterior e comunica uma interioridade do templo em que é cantada. Assim, a interpretação de seu texto permite fazer a essa comunicação entre as artes da música e da representação arquitetônica da Basílica, porque ela se junta às percepções de um espaço, de um tempo e de uma história, formando assim uma só unidade.
BIBLIOGRAFIA
BAYÓN, Damián. Reflexiones para la Comprensión del Fenómeno Barroco. In: Barroco 12. Belo Horizonte: UFMG, 1970, p. 33 a 38.
BAZIN, Germam. Iconologie Relieuse Baroque em Europe Centrale. In: Barroco 08. Belo Horizonte: UFMG, 1964, p. 07 A 11.
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário Etmológico Nova Fronteira da língua Portuguesa. Edição I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
DÍAZ, Marco. La Referencia a la Obra Arquitetônica em la Prosa y la Poesía de la Nueva Espanâ, Siglo XVII. In: Barroco 12. Belo Horizonte: UFMG, 1970, p. 51 A 63.
N. PETERS, Susanna. A Geometry of Time. In: BARROCO 5. 1973. P. 45 a 57.
[1] PILAR= Coluna/ XIV, piar XVIII, pia XIV, pyar XIV/ Do latim vulg. Pilare, de pila ‘coluna’,
[2] Dias, 1970.
[3] Aspectos da arquitetura Segundo Bayon (p. 32).
[4] BAYON, p. 34.
[5] Essas são as características marcantes do Período Colonial às quais confirmam que no Brasil o mais significativo do ponto de vista do dogma religioso católico permanece no interior da igreja