Angela Leite Xavier
A Via Sacra tem origem no tempo das Cruzadas (séculos XI/XIII) quando os cristãos tiveram a oportunidade de percorrer os lugares da Paixão de Jesus, em Jerusalém. Era impossível, para a maioria dos cristãos, ir a Jerusalém visitar os lugares sagrados. Então, passaram a reproduzir, no ocidente, os momentos dolorosos vividos por Jesus antes de sua morte.
A via sacra surgiu com 14 estações ou etapas desta caminhada dolorosa e a 15ª representa a Ressurreição. Assim, substituíram a peregrinação aos lugares santos pelo percurso através de pinturas que reproduzem estes lugares, situadas nas igrejas e mosteiros.
Os 15 passos da Via Sacra retratam o momento em que Jesus é condenado à morte, quando sai carregando sua cruz, cai um vez, encontra sua mãe, Simão o ajuda a carregar a pesada cruz, Verônica enxuga o seu rosto, ele cai pela segunda vez, então encontra as mulheres de Jerusalém e as consola, cai pela terceira vez, é despojado de suas vestes, é pregado na cruz, morre, é descido da cruz, é sepultado e, por fim, ressuscita.
Todos os ritos da Quaresma remetem à Via Sacra e culminam na ressurreição – a Páscoa.
Ouro Preto tem cinco capelinhas dos Passos que ficam fechadas durante o ano todo abrindo somente no domingo quando acontece a procissão do Encontro.
Cada Passo tem uma pessoa ou uma família a cuidá-lo e prepará-lo para ser aberto no dia da procissão. Encarregam-se da limpeza, cuidados com as imagens, restauração, manutenção da capela. No dia da procissão do Encontro, o Passo está limpo, a imagem de Cristo vestindo roupa limpa e engomada assim como o pano que cobre a mesa, a sua peruca lavada e cacheada. O cuidado é constante. É apenas neste dia que os Passos ficam abertos para visitação. Muitas pessoas levam ervas perfumadas para enfeitá-los: manjericão, alecrim, alfavaca, melissa. Tem gente que cultiva estas ervas exclusivamente para oferecê-las este dia. Esta função de cuidar do Passo é um convite do vigário ou da Irmandade, e, para quem o convite se dirige, é uma honra. Estas pessoas sentem um grande orgulho e carinho pela missão de zelar pelas coisas sagradas.
O primeiro Passo fica no bairro de Antônio Dias, rua do Gibú, onde está a imagem, tamanho natural, do Senhor da Cana Verde ou Bom Jesus da Paciência. A imagem tem uma peruca de cabelos naturais, uma coroa de espinhos, manto vermelho, uma corda e a cana verde. A cana verde representa ironicamente o cetro dado a Jesus como escárnio pelos soldados romanos que o coroaram com a coroa de espinhos chamando-o de Rei dos Judeus. Na representação deste Passo da Via Sacra Jesus está de pé, com os punhos atados, no momento de sua coroação, após ter sido açoitado. A imagem fica no Museu Aleijadinho e só é levada para o Passo no dia da procissão do Encontro. A responsável por este Passo é Maria da Conceição Fernandes, a Sinhá. Antes dela foi d. Ester Maluf que sucedeu a d. Carminda. As toalhas do altar e a capa da imagem ficam guardadas na casa da Sinhá. Se necessário, ela compra tudo novo, manda fazer. É de sua responsabilidade.
O segundo Passo que fica na Praça Tiradentes e representa o Senhor dos Passos. A imagem de Nosso Senhor carregando a cruz mede 30cm, usa uma roupa vermelha com renda nas mangas e na barra, peruca cacheada de cabelos naturais. Este Passo fica sob os cuidados da família Gonçalves, cuja casa está na rua Direita nº 8. Quem mora nesta casa cuida do Passo. Anteriormente foi o sr Jorcelino e sua esposa Raimunda Salvatrix. Tendo se mudado para a casa, o sr João Gonçalves passou a cuidar do Passo juntamente com sua esposa d. Silvia. Hoje são seus filhos que cuidam, Mercês e João Gonçalves.
As roupas usadas no dia da procissão ficam guardadas num baú assim como a peruca enrolada em cachos. Durante o ano, estando o Passo fechado, a imagem fica com uma roupa mais velha. Este cuidado é para que ele tenha uma bela aparência no dia da procissão, usando uma roupa nova de veludo vermelho, a peruca encaracolada, e os panos que cobrem o altar estão lavados e engomados. Neste momento, duas velas acesas ladeiam a imagem sustentadas por dois castiçais de madeira preta.
O terceiro Passo fica situado na rua São José e tem uma imagem que representa o Cristo Sentenciado. A imagem de roca, em tamanho natural, tem os braços cruzados diante do corpo, amarrados por uma corda, a cabeça baixa, expressão angustiada. Quem cuida é D. Maria Guimarães e seu filho Artur. Ela cuida das roupas e faz as perucas tecendo os cabelos naturais em meias de nylon. O veludo para a roupa do Senhor é comprado em Belo Horizonte. Seu filho cuida da imagem e da preservação da capelinha. No dia da Procissão de Ramos este Passo é aberto às 12 horas e Artur, junto com sua esposa, fica recebendo as plantas aromáticas e cuidando até a procissão passar. Então eles fecham a capelinha para só tornar a abrir no próximo ano, como todas as outras.
O quarto Passo fica no bairro do Rosário e nele está a imagem do Senhor da Coluna e representa a flagelação de Jesus. Também esta imagem é em tamanho natural. Sua construção data de 1860. A responsável pelo cuidado deste Passo é Rita Cota e antes dela foi sua mãe Judith Armond. Desde pequena ela ajudava a mãe nos cuidados com aquele local sagrado, aprendeu e hoje está treinando sua filha Anamaria para substituí-la.
Um detalhe interessante: quando a imagem está sendo trocada e arrumada, ela faz questão de fechar as portas do Passo para que as pessoas não vejam. Tradição do tempo de sua mãe. Sinal de respeito. De dois em dois meses Rita abre o Passo para verificar se está tudo bem, limpa, deixa arejar. No dia da procissão do Encontro o Passo é aberto às 12horas para que o povo possa visitar e é a partir desta hora que as pessoas começam a chegar com plantas aromáticas para enfeitar e perfumar. A decoração é simples pois trata-se de momento dramático: duas velas, uma de cada lado e dois jarros com 5 folhas de palma cada um.
Nos anos 70 este Passo foi arrombado durante a noite e a cabeça da imagem roubada. Por dois anos o Passo foi aberto durando a Semana Santa estando a imagem de Jesus sem a cabeça. O prefeito de Ouro Preto na ocasião, Angelo Oswaldo, convenceu o vigário do Pilar, o Padre Simões naquela época, a colocar uma cabeça que ele havia conseguido para compor a imagem. E assim foi feito e está até hoje. Rita já foi várias vezes a Belo Horizonte verificar imagens roubadas que foram resgatadas pela polícia. Infelizmente, até hoje a cabeça original não foi encontrada.
O quinto Passo é o que fica localizado próximo à Ponte Seca. Há tempos atrás quem cuidava dele era Maria Beú. Depois dela foi Cecilinha Albergaria, também Alice Ribas e depois a família de Dirceu Câmara. Todos moradores dos arredores do Passo. Um dia, há 10 anos atrás, o Padre Simões mandou a chave desta capelinha para que Conceição Fortes cuidasse dela, o que faz até hoje. A informação mais antiga que se tem dele é que foi construído por Coelho Neto (1746 – 1806), morador da mesma casa onde hoje reside Conceição Fortes.
Este Passo tem um quadro, pintado por Atayde, que retrata o momento em que a Verônica limpa o rosto de Jesus. No domingo de Ramo é o único dia em que o Passo é aberto como todos os outros. O quadro fica na igreja do Pilar o ano todo, por segurança, e é levado para a capelinha neste dia por volta das 16 horas. Existe um altar de madeira que é coberto com pano colorido e uma toalha de renda por cima. Este ano tem pano novo e será vermelho. Por último, o Passo é enfeitado com manjericão além de flores que lhe enviam do altar de Nossa Senhora das Dores.
Em visita aos cuidadores dos cinco Passos da Paixão que existem em Ouro Preto pude perceber o amor, carinho, orgulho mesmo que aquelas pessoas têm em ter sob seus cuidados uma representação da Via Cruz vivida por Jesus, momento tão sagrado dentro da liturgia da Igreja Católica.
Agradeço a todos os cuidadores pelas informações e ao Carlos José Aparecido(Cajú) por disponibilizar o arquivo da paróquia do Pilar.