Texto publicado no site ouropreto.com.br em 2010
angelaxbr@yahoo.com.br
Antes de argumentar qualquer coisa, eu vou ao dicionário para verificar o significado exato do termo preservar: "livrar de algum mal; defender; resguardar; manter livre de corrupção, perigo ou dano."
Por que Ouro Preto foi tombada como um monumento nacional e também internacional que deve ser preservado? O que significa "tombar"? Significa registrar, inventariar, fazer um balanço. Ouro Preto é uma cidade tombada no seu centro histórico que começa no Padre Faria e vai até as Cabeças, incluindo o seu entorno. Isto significa que a cidade deve se manter inalterada por ser de importância relevante para o país e para o mundo por suas construções, seu arruamento, seus monumentos, a arte barroca e os vestígios dos fatos históricos ocorridos no seu espaço urbano.
Desde que me mudei para esta bela cidade, primeira capital da Capitania de Minas Gerais, tenho participado de movimentos e ONGS destinadas a lutar pela sua preservação. Ela se conservou, na verdade, pelo fato de ter deixado de ser capital em 1897. Sua economia ficou estagnada e grande parte da população transferiu-se para a nova capital, Belo Horizonte. Foi redescoberta posteriormente pelos modernistas de 22 que, encantados com sua beleza, a divulgaram para o restante do país. Foi quando decidiram adequá-la para o turismo com a construção do Grande Hotel que foi projeto do Niemeyer sendo os jardins de Burle Marx. Recentemente Niemeyer disse que hoje não faria aquele hotel pois, na década de 40, quando ele foi construído, pouco se sabia sobre preservação.
Depois o calçamento foi sendo desmanchado para facilitar a passagem de veículos, várias ruas sofreram uma terraplanagem tendo desfeitas as escadarias em frente ás casas. A rua Alvarenga foi a última a ser descaracterizada nos anos 60, tendo, no entanto, conservado suas escadarias.
Pouco a pouco, as casas do século XVIII foram sendo vendidas e reformadas uma a uma. Hoje, seria muito interessante fazer um inventário das casas originais e dar um incentivo às famílias que as preservam, a exemplo do que fazem países como a Venezuela ou o Peru.
A década que acelerou a descaracterização da cidade original, foi a década de 70, quando houve um enorme êxodo rural. As periferias de todas as cidades brasileiras incharam. Construções desordenadas apareceram nas encostas de Ouro Preto descaracterizando todo e entorno e acabando com a graciosidade de ruas como a de Santa Efigênia, única a serpentear ladeira acima, inspirando pintores e poetas. Muros de pedra canga, construídos na época do início da exploração do ouro, foram derrubados e usados como material de construção, a exemplo do que fizeram os espanhóis no século XVI, na bela capital inca, ambos os casos, fruto de inconseqüente ignorância.
Hoje, o que se vê é muita gente com diploma e títulos acadêmicos mas, todo esse conhecimento não é capaz de preservar a originalidade de Ouro Preto. Corremos o risco de ver a cidade se tornar uma réplica de si mesma. Quando olhamos as fotografias da década de 50, o que sentimos é uma dor enorme ao verificar o que já foi irremediavelmente perdido. E o mais grave: as restaurações estão sendo feitas sem o acompanhamento de arqueólogos. Isto significa que muitos vestígios da nossa história estão se perdendo. Eu fui testemunha de uma ação irreparável: ao reformar o assoalho da igreja de São Francisco de Assis, os responsáveis juntaram os ossos que estavam, desde o século XVIII, enterrados nas campas numeradas e os colocaram amontoados numa única campa! O mesmo ocorreu na restauração da igreja em Furquim!
A História é uma ciência renovada constantemente. Enquanto houver um documento ou um vestígio ainda não estudado, a história não estará de todo esclarecida. E em Ouro Preto, a cada restauração de monumentos do século XVIII, centenas de vestígios, preciosos para a elucidação de fatos históricos, se perdem. A história dos africanos ou das classes menos favorecidas depende muito desses vestígios pois, quase não existem documentos escritos.
Lembramos que, hoje não temos em Ouro Preto mão de obra especializada em restauro de construções de pau-a-pique, nem de muros de pedra seca nem de calçamento com paralelepípedo, que, aliás, nem é o original.
Lembramos mais: hoje ainda circulam ônibus grandes pela Praça Tiradentes e excesso de microônibus por todo o centro histórico, destruindo o calçamento e provocando rachaduras nas casas.
Infelizmente, encerro essas considerações constatando que estamos hoje mais atrasados na conscientização dos moradores de uma cidade/museu como é Ouro Preto, que muitos paises da América do Sul.
Destruindo nossas referências históricas estamos perdendo a identidade e nossa força como povo.
Algumas perdas são irreparáveis.
*Angela Xavier é historiadora, autora do livro "Tesouros, Fantasmas e Lendas de Ouro Preto".