Cinco dias, cerca de 80 autores nacionais e estrangeiros e mais de 30 atividades, entre debates, intervenções artísticas, oficina e exposições. Estes são números que demonstram o clima que tomou conta de Ouro Preto entre os dias 4 e 8 de novembro, quando foi realizada mais uma edição do Fórum das Letras. O evento, organizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), se centrou no tema “Diversidade Cultural e Liberdade de Expressão”, fortalecendo, assim, um dos principais pilares do Fórum, que é construir uma ponte entre as culturas de língua portuguesa, promovendo o encontro entre criadores, editores, divulgadores, críticos e interessados na literatura dos diferentes países e comunidades dessas mesmas culturas.
Para a coordenadora geral do Fórum das Letras, Guiomar de Grammont, o evento foi um sucesso e só contabiliza bons resultados, desde a diversidade das atividades até o envolvimento de todos em torno do objetivo de disseminar a leitura e formar novos leitores. “O Fórum das Letras foi um sucesso, apesar de todas as dificuldades que tivemos decorrentes, sobretudo, da crise vigente no Brasil. Consideramos que foi muito bonito o esforço, tanto dos autores quanto dos hotéis, restaurantes da cidade, da equipe, todo mundo fez um pouquinho. Os autores vieram sem receber nada, a equipe trabalhou voluntariamente, todo mundo reduziu custos. O Fórum acabou se revelando um grande esforço de fraternidade para que o evento não morresse, pra que ele acontecesse esse ano e tivesse continuidade. A edição de 2015 foi, ao mesmo tempo, a mais difícil e mais emocionante que já tivemos porque foi o resultado de todas essas vontades, de todo esse interesse coletivo e humano pela formação de leitores em Minas Gerais e pela experiência tão bonita que é o encontro de autores com leitores”, resume.
GIRMA FANTAYE - Um dos momentos mais marcantes do Fórum das Letras foi o anúncio do primeiro autor refugiado a ser recebido pela UFOP, que viverá quatro meses em Ouro Preto como pesquisador visitante, integrado ao programa de pós-graduação em História da Universidade. Girma Fantaye, nascido na Etiópia, foi perseguido e ameaçado em seu país de origem, motivo que o levou a se mudar para Uganda e, posteriormente, a ser acolhido em uma cidade refúgio do ICORN.
O jornalista contou que, no seu país, fundou um jornal político em língua amárica, o ”Addis Neger”, sediado na capital do país, Adis Abeba, o qual, infelizmente, pela perseguição sofrida, não teve sobrevida. “Quando fechamos o jornal, ainda tentamos mudar para online, mas lá o acesso à internet é precário e limitado”, explica.
Limitado também é o uso da rede para quem quer expor sua opinião. De acordo com o escritor, o governo monitora e bloqueia o conteúdo que não lhe convier, além de barrar o acesso às publicações. “Não existe liberdade de expressão. Não adianta escrever um artigo sobre a nossa realidade, quando sabemos que ninguém poderá ler”, explica ele, que ressalta também que a Etiópia registra um número alarmante de analfabetismo: entre 40% e 45% da população não sabe ler nem escrever. “Contudo, a leitura está crescendo entre jovens e crianças”, registra.
ACOLHIDA - Em Ouro Preto, Girma Fantaye foi convidado a colaborar com pesquisas e estudos, além de partilhar e intercambiar informações e vivências. O escritor quer ainda lecionar na UFOP. Ele ficará hospedado na Casa do Pesquisador, mantida pela Universidade, entre os meses de abril e julho de 2016. Antes de se instalar na cidade, Fantaye voltará a Uganda para regularizar sua situação, no que diz respeito a documentação, para, posteriormente, se estabelecer em Ouro Preto.
LAERTE - Uma das atrações mais aguardadas do Fórum das Letras foi Laerte Coutinho, presente no evento no sábado, 7 de novembro. Um Cine Vila lotado assistiu a um bate-papo aberto e debochado entre a cartunista e o diretor da revista Piauí, Fernando de Barros e Silva.
A mudança de gênero de Coutinho, como esperado, permeou toda a conversa, bem como a sua trajetória artística. “A mudança ainda está acontecendo e nem sei onde vai parar. Estou em mudança, vivenciando as delícias e também as angústias desse processo. Mas, mais que na questão do gênero, estou interessada em discutir as demandas LGBT, nos direitos que todos devem ter”, disse a cartunista que salientou que tem um olhar diferenciado, pouco generoso, para o seu próprio trabalho. “Meu modo de ver o que faço não é nada benévolo. Assim que acabo de produzir, não consigo ter nenhum amor por essa criação. Preciso de um tempo pra ter algum sentimento”, disse.
Perguntado sobre a mudança, para alguns brusca, no seu trabalho, após a perda do filho, a cartunista disse que assumiu uma postura mais permissiva com sua arte. “Sempre pensei em mudança, havia tempo que estava ‘cozinhando esse galo’. De fato, o século XXI trouxe muitas novidades, não uma mera transformação. Porém, com a morte do meu filho, que teve realmente um impacto gigantesco, resolvi fazer o que quero fazer, um desenho livre, uma expressão livre, sem a obrigação de fazer rir”.
Outro lançamento inusitado foi o do livro Flávia e o bolo de chocolate, da jornalista Míriam Leitão, no domingo, na livraria ao lado da Casa dos Contos. Conhecida por análises políticas e financeiras, a jornalista enveredou pelo caminho da literatura infantil. O tema não poderia ser mais atual: a diversidade das raças. “Minha ideia foi falar, na linguagem das crianças, sobre o fato de todas as pessoas serem diferentes, cada um de uma cor, cada um de um jeito. Acho que todo mundo tem um lado ‘fofo’, acho que, publicar esse meu primeiro livro infantil, é o meu jeito de dizer que também tenho o meu”, disse ela que tem visitado escolas públicas para a divulgação desta outra faceta profissional. “É muito bacana essa interação. Nas escolas, falamos com pais, alunos e educadores sobre a diversidade do mundo. Queremos ajudar a difundir ainda mais a ideia de que somos todos diferentes uns dos outros e todos devem ser respeitados, porque a diversidade faz parte do mundo”.
Outro que trilhou o caminho da literatura infantil foi o escritor Pedro Markun, com o lançamento do livro Quem manda aqui? Voltado para crianças de 5 a 7 anos, traduz em imagens e com leveza conceitos como Monarquia, Ditadura, Democracia, Desígnio Divino e Meritocracia, além de falar sobre formas de decisão como Voto e Consenso.
PROGRAMAÇÃO AMPLA E DIVERSIFICADA - O Fórum das Letrinhas, uma das iniciativas mais relevantes promovidas pelo Fórum das Letras de Ouro Preto, cuja programação se estende ao longo de praticamente todo o ano também foi um sucesso de público e participação. O Fórum das Letrinhas teve a curadoria e coordenação da Fundação de Artes de Ouro Preto e beneficiou muitos alunos da rede pública e privada de ensino, localizadas em Ouro Preto, Mariana e em seus distritos. A iniciativa contou com apoio da Secretaria de Estado de Cultura e patrocínio exclusivo da Petrobras.
O Ciclo Jornalismo e Literatura, patrocinado pelo BNDES, também reuniu centenas de pessoas interessadas em descobrir mais sobre as relações entre as duas áreas. Marta Maia foi a curadora do eixo, realizado no Grêmio Literário Tristão de Ataíde (GLTA), e que teve o envolvimento dos estudantes da Universidade, além do público de forma geral.
O FÓRUM DAS LETRAS
O Fórum das Letras de Ouro Preto, um dos empreendimentos literários mais famosos no Brasil, é anualmente organizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tendo como idealizadora a professora Guiomar de Grammont. Ele foi criado com o objetivo de instaurar entre escritores e leitores uma fértil interação e também no intuito de destacar o significativo papel da cidade de Ouro Preto, Patrimônio Cultural da Humanidade.
O principal objetivo do evento é construir uma ponte entre as culturas de língua portuguesa, promovendo o encontro entre criadores, editores, divulgadores, críticos e interessados na literatura dos diferentes países e comunidades dessas mesmas culturas. Com 11 anos de realização, o Fórum das Letras contribuiu consideravelmente para a formação de leitores na região dos Inconfidentes, notadamente em Ouro Preto, cidade Patrimônio Mundial, e para o desenvolvimento sustentável através da formação de leitores.
Desde sua gênese, o Fórum se constituiu um espaço para o desenvolvimento de propostas em comum para promover o acesso dos autores lusófonos aos espaços de divulgação e difusão das suas obras no mundo, acesso por vezes dificultado por questões exteriores ao universo literário.
O evento conta com patrocínio do Ministério da Cultura, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, BNDES (patrocinador exclusivo do Ciclo Jornalismo e Literatura), Petrobras (patrocinador exclusivo do Fórum das Letrinhas) e Samarco. Governo Federal: pátria educadora.
Mais informações: www.forumdasletras.ufop.br.