Em sua 9ª edição, a ser realizada entre os dias 28 de maio e 2 de junho, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto mantém e reforça a vocação de defender o Cinema Patrimônio e novamente se apresenta como agitadora de discussões e ações de preservação e de resgate de filmografias da produção brasileira mais relevante e marcante. Desde sua criação, em 2006, a mostra se dedica a radiografar as várias potências de realização do nosso cinema, trazendo à luz cineastas, movimentos, engajamentos e políticas que fizeram e fazem parte da história cultural do país.
“A CineOP é um fórum dedicado ao debate e à reflexão que, em sua nova edição, propõe pensar a preservação audiovisual numa ação conjunta e ampla com coloca em questão os desafios da preservação e acesso audiovisuais numa programação que reflete o anseio do setor da preservação em diálogo com a educação. Representa uma frente única e singular no país que tem o propósito de discutir sobre o Brasil cinematográfico que deve ser preservado, afirma a coordenadora geral do evento e diretora da Universo Produção, Raquel Hallak.
Na temática história de 2014, dois realizadores radicais do cinema moderno brasileiro ocupam as telas e as mesas de debate: Luiz Rosemberg Filho e Ricardo Miranda. Cada um com trajetórias muito particulares, ambos trabalharam lado a lado nos anos 1970, no longa-metragem “Crônica de um Industrial” (1978), dirigido por Rosemberg e montado por Miranda. O filme terá exibição naCineOP, que vai rememorar e rearticular o caminho de cada um dos cineastas.
No caso de Ricardo Miranda, a homenagem é póstuma: figura atuante e questionadora nas últimas edições da Mostra de Cinema de Tiradentes, o cineasta faleceu, aos 63 anos, no final de março deste ano. Dele, a CineOP vai apresentar os longas “Paixão e Virtude”(2014) e “Bricolage” e o curta “A Nostalgia do Branco” (1979). Ricardo teve vasta carreira como montador, tendo se unido a nomes como Glauber Rocha e Paulo Cezar Sacareni em alguns de seus principais trabalhos.
Por sua vez, Luiz Rosemberg Filho, aos 69 anos, segue em efervescente produção, tanto quanto suas realizações permanecem num gueto intransponível pelas atuais políticas de exibição do cinema brasileiro. A mostra exibirá vários de seus projetos, entre eles os míticos “O Jardim das Espumas” (1970), “A$suntina das Amerikas” (1976), “Crônica de um Industrial” (1978) e “O Santo e a Vedete”(1982), além do curta inédito “Farra dos Brinquedos” (2014).
“Ricardo e Rosemberg habitam o cinema, sem a mesma visibilidade e repercussão de outros contemporâneos mais 'pops', desde a virada dos anos 1960 para os 1970”, afirma o colaborador da temática história, Cléber Eduardo. “Por conta da localização histórica desse começo em juventude, naquele momento de regime militar progressivamente asfixiante e por ambos se alinharem à ala moderna do cinema brasileiro de então, associada a quebras de convenções narrativas e estabelecimentos de estratégias de agressão à percepção, os dois cineastas são dos 'autores' mais radicalmente coerentes, e não colocados em negociação, entre as 'autorias brasileiras' de lá para cá, da película ao digital, do longa ao curta”.
Tendo 56 filmes realizados, entre todo tipo de formato e duração, Luiz Rosemberg Filho esteve em janeiro na Mostra de Cinema de Tiradentes, onde participou de debate e exibiu o curta “Linguagem”, também incluído na programação da CineOP. Radical defensor da autoralidade e de um cinema sem amarras comerciais, Rosemberg já teve histórico com a censura brasileira e viu sua obra, ao longo dos anos, ser relegada a notas de rodapé e lembranças esparsas. Para Cléber Eduardo, a importância de se celebrar a produção de um cineasta como ele é fundamental na atual conjuntura e em meio às discussões sobre as novas tecnologias. “Desde os anos 1990, sobretudo nos 2000, ele tem explorado o vídeo e o digital nas potencialidades do meio, não somente como ferramenta de captação. Rosemberg tornou-se um dos primeiros casos no cinema brasileiro de diretor que fez a passagem da película para o vídeo sem querer transformar vídeos em filmes de película 35mm”.
A FORMAÇÃO DAS REDES E A PRESERVAÇÃO
Ao lado do resgate das obras de Ricardo Miranda e Luiz Rosemberg Filho, a 9ª CineOP, dentro do Cinema Patrimônio, homenageiaCosme Alves Netto (1937-1996), nome fundamental da preservação audiovisual. Nascido em Manaus, Netto foi, durante 25 anos, curador da Cinemateca do MAM-RJ, além de programador do lendário Cine Paissandu e grande estimulador do movimento cineclubista. Em tributo a Cosme Alves Netto, o filme de abertura da CineOP será “Tudo por Amor ao Cinema”, documentário deAurélio Michiles que resgata sua trajetória.
A mostra tematiza este ano a formação de redes, conceito pensado pelo curador Hernani Heffner em relação ao que constitui e amplia as possibilidades de acesso, encontro, intercâmbio, produção e divulgação de obras. O curador trabalhou a partir da percepção de que, em tempos digitais, a palavra “arquivo” teve deslocado seu conceito original. “Na acepção mais comum, na atualidade, 'arquivo' significa um repositório simples, fechado em si mesmo, de natureza computacional e que carrega uma 'redação' com propósitos de comunicação mais ou menos determinados, associada a uma tecnologia de leitura igualmente computacional”, afirma o curador.
Em vista disso, toda a noção de “arquivamento” precisa ser reconfigurada, saindo do até então clássico elemento de fisicalidade para um universo de virtualidade ainda não completamente compreendido em todas as suas variantes, afetando diretamente a preservação e o acesso a documentos e materiais históricos. “Uma estrutura de rede cibernética pressupõe a existência dos 'originais' já como arquivos digitais, quer de fato criados em ambiente computacional, quer inputados a partir da conversão de um referente analógico”, diz Hernani Heffner. “Este era o sentido e o escopo do projeto apresentado pela Associação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura em 2013, propondo a transformação dos Núcleos de Produção Digital também em centros de preservação digital em rede, com cada ponto ou instituição se sentindo livre para inserir o que quisesse, quando quisesse, no formato/resolução/padrão que desejasse”.
Os desafios políticos, econômicos, tecnológicos e educacionais que cercam a preservação audiovisual nessas múltiplas dimensões, a proposição de entidades associativas para cooperação institucional, a troca de informações, a formação de alianças táticas e práticas e a preparação de pessoal e trabalho cultural seguem constantes nos diferentes campos em torno do cinema e do audiovisual e dão o tom de toda a programação da 9ª CineOP, em mesas de debate com vários profissionais da área discutindo temas como “Redes, cultura e produção de conhecimento”, “Redes: audiovisual, preservação e educação” e “Políticas públicas para difusão audiovisual”, entre outros.