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A CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto chega ao fim da 9ª edição reforçando sua vocação de referência nas discussões, reflexões e políticas de preservação, educação e difusão do audiovisual. E não apenas no Brasil, mas também em países da América Latina que participaram dos seis dias de evento. O seminário do 9º Encontro de Arquivos reuniu 170 pessoas de oito Estados (BA, DF, ES, MG, PB, PR, RJ, SP), com representantes de 70 arquivos e entidades, ao longo de 21 debates, encontros e discussões no Centro de Convenções de Ouro Preto.
A Carta de Ouro Preto 2014, documento oficial redigido pela ABPA (Associação Brasileira de Preservação Audiovisual), indicou a “urgência da construção de um Plano Nacional de Preservação Audiovisual, voltado para a salvaguarda dos acervos”. A carta pede que se estabeleça um Plano Setorial do Sistema Nacional de Cultura, articulado com várias entidades, entre elas o Instituto Brasileiro de Museus, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Sistema Setorial de Patrimônio, o Conselho Superior de Cinema, a Agência Nacional de Cinema, a Secretaria do Audiovisual, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, assim como com órgãos das esferas estaduais e municipais.
Ainda que reconheça “o avanço significativo da área nos últimos anos, indo além do eixo Rio de Janeiro e São Paulo”, a APBA recomenda a ampliação do intercâmbio e da colaboração com arquivos audiovisuais da América Latina, Caribe e África, indo ao encontro da proposta deste ano da CineOP de formar canais e redes pelo mundo todo. “Fica cada vez mais claro que somente com a formação de uma rede de pessoas e instituições e sua articulação para alcançar objetivos comuns é que a preservação audiovisual se consolida como ação conjunta”, registra a carta.
No Seminário do Cinema Brasileiro, a política deu o tom já no primeiro dia de CineOP, com as presenças de Lisandro Nogueira (coordenador da Cinemateca Brasileira) e Mário Borgneth (secretário do Audiovisual). Reverberando o que ambos tinham adiantado na 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro, o tom foi de conciliação sobre os rumos da Cinemateca, após mais de um ano em torno de controvérsias e desinformações. “Estamos em busca de uma nova forma de trabalho e de conciliação com o setor, de interação e cooperação”, disse Nogueira.
Borgneth, por sua vez, fez questão de fixar a Cinemateca como “órgão do governo” e negar favorecimentos de investimento e atenção em relação a outras entidades. “Estamos buscando um modelo constitucional que seja viável ao mesmo tempo em que nos permita algum controle”, afirmou o secretário. “A Cinemateca é como um paciente que sofreu um transplante e agora está em recuperação”. O secretário Borgneth lançou ainda umaconvocatória para que a ABPA (Associação Brasileira de Preservação Audiovisual) se instale num cômodo da Cinemateca para acompanhamento e ação conjunta. “Tem que instalar um escritório já, amanhã”, disse.
A convocatória veio em boa hora, num momento em que as entidades de preservação se articulam para trabalharem cada vez mais próximas e em rede, conforme o conceito central da mostra este ano. Isso ficou ainda mais urgente no encontro Desafios Continentais de Educação e Preservação Audiovisual em Rede. A mesa, dividida em duas partes, teve participação de representantes do setor de preservação e educação audiovisual deMoçambique, Cuba, Uruguai, Peru, Argentina e Brasil. Para Eileen Sanabria Herrera, coordenadora da rede Unial em Cuba, as novas tecnologias já fazem parte do cotidiano das crianças desde o nascimento, e isso precisa ser levado em conta na hora das políticas educacionais. “Ainda há poucas instituições e entidades que se dedicam a aprimorar o olhar infantil utilizando o cinema”, lamentou.
Dentro deste viés, a CineOP sediou o VI Fórum da Rede Kino, com a apresentação de 18 trabalhos de escolas do Brasil inteiro que, de alguma forma, utilizam o audiovisual no contato direto com os alunos. O ano de 2014 foi o primeiro em que a Rede Kino fez uma chamada para inscrições prévias de trabalhos, que passaram por uma seleção e foram mostrados nas mesas Potências e Fragilidades das Redes e Redes: Audiovisual, Preservação e Educação. “Cada vez mais eu sinto que o cinema mais político feito no Brasil hoje está nas escolas”, exaltou Cezar Migliorin, um dos coordenadores do projeto. “Estamos num momento de qualificação cada vez maior desses trabalhos, e a CineOP é nosso único ponto de encontro anual para essas apresentações conjuntas”.
Dentro da programação da mostra, o projeto Cine-Escola contou com 10 sessões oferecidas a 28 escolas, levando mais de 3.500 alunos a uma sala de cinema. As seis oficinas ofertadas continuaram também um outro atrativo, certificando 205 alunos em aulas de Noções Básicas de Tratamento Arquivístico, Realização em Curta e Filme-Ensaio: O Sujeito no Documentário de Criação, entre outras.
Uma novidade da edição deste ano foi a Mostra Preservação, exibindo seis “cases” de trabalhos recuperados recentemente. Cada um foi acompanhado de mesas de conversa no Centro de Convenções analisando e detalhando como se deu o processo de restauração de cada um. Entre eles, as raridades “As Sete Maravilhas do Rio de Janeiro” (1934) e “Volta Grande – Festa da Primavera” (1949), de Humberto Mauro; “O Gigante”(1969), de Mário Civelli; e o mitológico “Copacabana Mon Amour” (1970), de Rogério Sganzerla.
Nos encontros, foram apresentados documentos, fotografias e fragmentos que esclareciam aos presentes o passo a passo do delicado processo de recuperação audiovisual. Além disso, críticos e pesquisadores, como Ruy Gardnier e Leonardo Esteves, comentaram os filmes a partir de seus contextos históricos e artísticos. Para Hernani Heffner, as redes se tornam, com isso, cada vez mais fundamentais para que estes trabalhos sejam realizados, uma vez que os arquivos podem se comunicar com frequência e intensidade na troca de informação, acervo e condições físicas e materiais de cada entidade. Um exemplo foi dado justamente durante os encontros: um dos presentes revelou ter informações de outros fragmentos desconhecidos produzidos por Humberto Mauro e levará o material para avaliação no MAM-RJ.
A CineOP foi ainda espaço para a eleição da nova diretoria da ABPA, que contou com chapa única e 58 votos válidos. Maria Laura Souza Alves Bezerra Lindner foi eleita a nova presidente, tendo como vice Carlos Roberto Rodrigues de Sousa.
MEMÓRIA
Na Temática Histórica, o ano foi de lembranças emocionadas. A figura cativante de Luiz Rosemberg Filho, 69 anos e um dos homenageados, encantou a todos, tanto com a simpatia e atenção quanto na contundência e rigor de seus filmes exibidos. Dois títulos em especial tiveram sessões muito aguardadas: “O Jardim das Espumas” (1970) e “Imagens” (1972), ambos desaparecidos há 30 anos e recentemente resgatados na França numa ação conjunta da Universo Produção com o curador Hernani Heffner.
“São dois filmes difíceis e radicais, feitos num momento de muito ódio e rancor com a situação política brasileira”, disse o realizador, durante debate. Ele e o outro homenageado, Ricardo Miranda (falecido em março deste ano), apareceram juntos por duas vezes nas telas da mostra: no longa “Crônica de um Industrial” (1978), dirigido por Rosemberg e montado por Miranda; e no curta “Bricolage” (2008), documentário em que Miranda registra os pensamentos do amigo Rosemberg.
Na mesa Autorias Não Negociadas, Clarissa Nanchery, coordenadora pedagógica do projeto Inventar com a Diferença, disse que o cinema de Ricardo Miranda “se utiliza da poesia e da literatura para criar, com aspecto descontínuo e fragmentado, suas alegorias”. Na programação foi exibido o derradeiro longa do diretor, “Paixão e Virtude” (2014) e, durante o debate, foi anunciado que seus produtores e colaboradores pretendem concluir o projeto no qual ele estava envolvido pouco antes de morrer.
Outra celebração em memória foi a do preservador Cosme Alves Netto, falecido em 1996 e também homenageado na CineOP. As discussões em torno de sua importância na preservação e difusão do cinema brasileiro enquanto foi curador da Cinemateca do MAM-RJ, ao longo de 30 anos, pautaram não apenas o tributo, mas especialmente o estímulo a que trabalhos similares sejam mantidos ou criados. O documentário “Tudo por Amor ao Cinema”, de Aurélio Michiles, exibido na abertura, firmou ainda mais essa noção. “O filme te permite amar o Cosme mesmo sem tê-lo conhecido, porque ele era essa pessoa que parecia comportar vários gêneros, como o próprio cinema”, disse Marília Franco, vice-presidente do CPCB (Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro).
O tema da memória perpassou inclusive os filmes contemporâneos, ao se dar atenção a aspectos da história brasileira que reverberam no presente de maneira ainda muito forte, casos de “Cidade de Deus – 10 Anos Depois” e “Plano B”, sobre as consequências da construção de Brasília no impacto social e cultural da capital federal.
A 9ª CineOP teve 39 sessões de cinema e exibiu 59 filmes (19 longas, 7 médias e 33 curtas) em três espaços – o Cine Vila Rica, o Cine Teatro e o Cine BNDES na Praça. Ao longo da semana, a mostra contou com 218 convidados, 33 jornalistas credenciados e beneficiou 15 mil pessoas, entre profissionais e empresas contratadas dentro e fora da cidade. Além disso, a mostra serve de espaço de encontro e confraternização, tendo realizado seis shows musicais no Centro de Convenções, e de conhecimento e estudo, com o lançamento de nove livros.
A mostra termina com ainda mais relevância, especialmente pelo poder articulador em torno das redes e do compartilhamento cada vez maior entre as variadas entidades brasileiras do meio. Isso vem tornando a CineOP um espaço único no país, com força sempre maior para colocar o Cinema Patrimônio na pauta primária das políticas brasileiras. A discussão continua no ano que vem, quando a CineOP completa uma década. O evento será realizado entre 17 e 22 de junho de 2015.