Por Ana Carolina Vieira, Hariane Alves e Gabriela Luiza
Umbanda é paz e amor, é um mundo cheio de luz. É a força que nos habita.
É a grandeza que nos conduz”.
(Trecho de música cantada no culto)
“O senhor sabe onde fica o terreiro da dona Marta?”, perguntamos ao carteiro que passava despreocupadamente na rua, e ele responde, arregalando os olhos, “Não sei onde isso fica não”, e sai com passos apressados. Apesar da atitude do carteiro, o encontro com os filhos de fé, como os umbandistas se reconhecem nos cantos, foi festivo e saldavam o dia de Santo Antônio. Trajados de branco, símbolo da pureza, assim que chegam se cumprimentam, pegam os seus acentos, fazem o sinal da cruz e rezam o Pai Nosso.
O terreiro Mãe Maria de Aruanda, da Maria Marta, ou simplesmente Marta, como gosta de ser chamada, é o mais antigo da cidade de Mariana e fica na Rua Wenceslau Bráz. Antes, terreiro da sua mãe falecida, Diva da Silva Nativo, e agora, terreiro compartilhado com seu filho mais novo, Marcelo Ramos, 21, que tem contato com a umbanda desde os sete. “Eu sempre ajudava minha mãe e minha avó a organizar tudo e assistia os cultos. Quando eu tinha sete anos, eu e minha prima Júlia estávamos assistindo e eu comecei a tremer. Tremi tanto que não conseguia ficar sentado na cadeira. Então comecei a sentir os guias chegando e desde então participo”, relembra Marcelo.
Marta nos conta que incorporou seu guia “Pai Miguel” aos sete, em uma brincadeira com a irmã mais nova, e a partir daí começou a participar e a ajudar a mãe, sabendo que um dia iria assumir a liderança do terreiro. “Mãe passou o terreiro pra mim há cinco anos e logo depois faleceu. Mas passei para o Marcelo, desde agosto de 2013. Estou perdendo a visão e se eu morrer, o terreiro precisa estar em boas mãos”, relata Marta, olhando para o filho do outro lado da sala. “Faço com meu filho, o mesmo que minha mãe fez comigo. Ensino e fico perto acompanhando para ele não fazer bobagens”.
Marcelo, que está do outro lado da sala, vestido com uma blusa rosa em homenagem aos Santos Cosme e Damião e calças brancas, fala que sempre sofreu preconceito, principalmente quando começou a tomar a frente do terreiro. “Tenho amigos que ainda não aceitam. Teve uma vez que eu fui contar para um amigo, que eu participava do terreiro e ele cuspiu na minha cara e disse que não pisaria mais na minha casa. Eu respondi dizendo que Deus queira que ele nunca precisasse ir até a minha casa, mas se fosse, que ela estaria de portas abertas. Hoje em dia ele é médium no terreiro”.
A marca do preconceito na família começou com Diva, que chegou a ser presa várias vezes por causa do terreiro. Em seguida, Marta conta discretamente, quase como uma lembrança indesejada, sobre sua expulsão de uma igreja em Mariana por um padre. Marcelo, a terceira geração, sofre o preconceito de pessoas que não entendem a sua religião.
Esse preconceito é expresso até nos poderes públicos. O juiz Eugênio Rosa de Araújo, titular da 17ª VaraFederal, em maio deste ano, afirmou que as crenças afro-brasileiras “não contêm os traços necessários de uma religião”. Após inúmeras críticas, o magistrado voltou atrás e reconheceu o candomblé e a umbanda como religiões.
Cristiana Silva, 20, uma jovem católica que começou a frequentar o centro umbandista da Dona Marta no início deste ano, relata que já sofreu preconceito, sendo chamada de ‘macumbeira’ por pessoas da paróquia que visitava. “Quando foi insultada, respondi que intolerância religiosa é crime, que eu faço o que eu quiser com a minha vida. Tenho o direito de escolher a minha religião e se quiser ter mais de uma, o direito é meu”. Cristiana afirma que começou a sentir algo desde pequena, que escutava vozes e via coisas, e que por causa disso ela se interessou em desenvolver a mediunidade.
Para Marta, o preconceito acontece porque as pessoas não entendem ou temem a sua religião. “A umbanda não se explica, ela não tem começo, nem meio e nem fim. Ela é bela e recebe a todos sem discriminações”, nos explica.