A poeta ouropretana residente em Belo Horizonte, Adriana Versiani dos Anjos, lança no dia 1o. de dezembro, sábado, Arqueologia da Calçada, seu sexto livro de poemas. A publicação foi editada pela 2 Linhas, editora da designer Glória Campos, parceira de longa data de Adriana, e será lançada no Espaço Terraboa, de 11h30 às 15h30, no Belvedere.
O livro é formado de quatro partes – “Chove”, “O professor”, “O Hóspede” e “Farmacopeuma”, sendo esta última uma plaquete encartada. Para realizá-la, Adriana contou com a parceria do poeta, artista visual e amigo Ronald Polito, que também é autor da imagem de capa da plaquete.
O prefácio é da escritora e artista plástica pernambucana Adriene Myrtes, com quem Versiani mantém profícua interlocução poética. Parte dele, “Um mar na calçada”, encontra-se na contracapa, como um aviso ao leitor: “ao entrar neste livro, pise com cuidado. As palavras não estão aqui a passeio, elas vieram e dizem a quê. São a razão da caminhada, a senha que nos conduz à ostra no centro do peito.”
Nesta rede de amizades tecidas por um certo entendimento da poesia e da vida, Adriana escolheu lançar o livro num lugar não-convencional: a Terra Boa Paisagens, de Cássia Lafetá. Dessa forma, conecta o gesto poético à sua intensa relação com a natureza, sempre presente em seus escritos.
AGENDA
O que: lançamento do livro de poemas Arqueologia da calçada
De quem: Adriana Versiani dos Anjos
Dados técnicos: 2 Linhas Editora, 72 páginas, 2018
Quando: 1o. de dezembro, sábado, de 11h30 às 15h30
Onde: Terraboa Paisagens – Av. Paulo Camilo Pena, 432 - Belvedere
Navegação pelos abismos da linguagem
Contando já 30 anos de escrita poética, Adriana Versiani vem construindo sua obra dentro da tradição dos poetas que se autoeditam, ou se editam em coletivos, de forma a manter um espaço de troca e interlocução crítica, algo difícil de se conseguir neste mundo de leitura de twitters e memes. No entanto, antes mesmo da velocidade das redes digitais, Adriana já frequentava e atuava nestes espaços tidos como “alternativos”, mas extremamente ricos do ponto de vista intelectual e artístico.
Editora das publicações artesanais Dazibao junto a seu marido, o historiador, poeta e professor Camilo Lara (1959 - 2016), Adriana atuou ainda nos coletivos Poesia Orbital e Dez Faces, que movimentaram a cena poética de Belo Horizonte em 1997 e durante os anos 2000, respectivamente. Além das publicações textuais, Versiani também já experimentou a expressão poética em suportes não convencionais, como garrafas e colares, e participou de criações coletivas em parcerias com artistas da dança (Dudude Herrmann), do audiovisual (Rodrigo Campos) e das artes visuais. Junto ao coletivo formado pelos artistas plásticos e designers Glória Campos, Clô Paolielo, Alessandra M Soares, Cláudio Soares Rodrigues e Mário Azevedo, lançou o livro Diário de A, com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Minas Gerais.
A escritora pernambucana Adriene Myrtes, ao escrever sobre Arqueologia da calçada, pensou no mar. Interessante como a poeta nascida em Ouro Preto tem de fato uma escrita que poderíamos pensar “marítima”: ao mesmo tempo em que diz do “de dentro”, diz conectando com tantos “foras” que acaba por gerar uma amplitude de imagens em linhas paralelas, diagonais, flutuantes. Com a intensidade das ondas.
Como escreveu outro de seus parceiros de trabalho, o professor de literatura e ensaísta Rogério Barbosa da Silva (texto anexo a este release), Adriana “navega como ninguém pelos abismos da linguagem”.
Entre a navalha e o sono insone
“Puro precipício do amor” (Jacques Roubaud)
“uma inaudível voz/ um som longínquo/ que ressoa dentro” (Ana Hatherly)
Leio os poemas de “Arqueologia da Calçada”/“Farmacopeuma”, de Adriana Versiani, como um exercício extremo de dizer o vazio, ressaltando paradoxalmente a presença e a ausência do amor/do amado. A ausência é uma força que impulsiona os versos a remexerem o mundo de sombras, em que o sonho acordado gravita intenso nas coisas: uma sacola plástica levada pelo vento, flores, zunidos de cigarras, fotografias, livros na estante, alguma palavra desperta de sua mudez… O exercício é árduo: sangra nos calcanhares rachados, na palavra navalha cortante, às vezes espeto que lhe atravessa a retina… Os versos também exalam o olor de uma presença distinta, uma presença, ainda que gozosa, dolorida porque implica um novo aprendizado: “Onde tua inexistência era tão forte, tornara-se forma de ser” - lembro ainda Jacques Roubaud de algo: preto (Perspectiva, 2005), que, tal como Adriana, aprendeu a sublimar seu luto profundo pela via poética.
Como diz Ana Hatherly em visita a casa de Beethoven, “o mestre não está”, mas há uma voz quase inaudível ressoando dentro. Assim também na casa-poema de Adriana uma voz ressoará sempre, uma voz que as cordas de seu coração sempre farão ressoar lírica e que suas unhas rebeldes riscarão no papel, a assinalar sua recusa diante da vida. É na linguagem que tudo acontece. Aí reside o verdadeiro pharmakon, cujas potências o poema desencadeia.
Deixo aqui um abraço apertado para essa poeta que navega como ninguém pelos abismos da linguagem!
Rogério Barbosa da Silva
nov/2018