O debate “Territórios regionais, inquietações históricas” marcou o início do 14ª Seminário do Cinema Brasileiro, que acontece no âmbito da CineOP, nesta sexta, 7 de junho, no Centro de Convenções. Com a presença do documentarista Vladimir Carvalho e da ativista indígena Célia Xakriabá, ao lado do curador da temática Histórica, Francis Vogner dos Reis e do cineasta e pesquisador Lucas Parente, o tema ganhou aprofundamento, que destacou as experiências e as singularidades das produções regionais, reduzindo a força da centralidade historicamente concedida a Rio e São Paulo.
“Os cinemas vinculados aos seus próprios territórios se posicionam em confronto com a produção dos grandes centros porque se sentem desterritorializados nessa relação”, disse Francis Vogner. A 14ª CineOP partiu dessa percepção para dar à luz produções regionais que, de alguma forma, responderam a seus próprios espaços simbólicos e geográficos. “Toda a história do cinema brasileiro tem os fragmentos que vão constituindo a cinematografia”, complementou.
O cineasta paraibano Vladimir Carvalho, radicado em Brasília e documentarista fundamental de um Brasil profundo, diretor de filmes como “Conterrâneos Velhos de Guerra” (1981) e “O País de São Saruê” (1971), frisou que a violência na qual a sociedade brasileira foi estabelecida precisa tomar parte no imaginário e consciência de nossas imagens.
Esta fala abriu caminho para que a professora e ativista Célia Xakriabá exaltasse a memória da tradição indígena como elemento fundamental a ser resgatado pela produção audiovisual, por seu poder de eternizar a oralidade. “As narrativas indígenas precisam ser tomadas por seus povos. É importante ocupar os espaços de expressão diante de uma sociedade dominada pela opressão das figuras históricas de poder”, afirmou Célia.
Sua ideia referia-se ao conceito de reterritorialização, movimento importante da comunidade indígena em tempos de luta contra um governo federal que opera em prol da tomada de territórios sagrados e da eliminação de povos originários. O audiovisual seria, daí, um recurso desse confronto a partir do momento em que o indígena domina a ferramenta e reconfigura a própria narrativa. “Precisamos pensar na ‘indigenização’ da tela, para que tenhamos pluralidade e diversidade tanto em quem está do lado de lá da cena quanto especialmente em quem está no domínio das ferramentas, segurando a câmera”.
A defesa da territorialidade também pautou o debate “Mulheres, Terras e Territórios”, que trouxe novamente a presença de Célia Xakriabá, desta vez em companhia de Sandra Benites, coordenadora de educação indígena. Para ela, o reconhecimento do outro como um corpo que pode ser tocado, registrado e se movimentar seria o passo essencial no processo de reterritorialização. “Na nossa resistência, a gente deve se encontrar e se fortalecer dentro dos modos de ser de cada um”, disse Sandra. Em sua concepção, a empatia não é se tornar o outro, e sim compreender e respeitar as fronteiras alheias.
O debate contou ainda com a presença luminosa de Mãe Efigênia, que quebrou o protocolo e falou de fora da mesa, diante da plateia do auditório II do Centro de Convenções, como numa grande congregação de energias e ancestralidade. Líder no Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, localizado na capital de Minas Gerais, Mãe Efigênia alertou que 2019 será um ano difícil e carregado, que ainda vai demandar resiliência, mas exaltou a força individual para que todos superassem a adversidades.
DA TERRITORIALIDADE À PRESERVAÇÃO
A reunião de representantes de três órgãos de governo para preservação e difusão audiovisual, vindos de Belo Horizonte (Gabriel Portela, secretário Municipal Adjunto da Secretaria de Cultura), Niterói (Lia Baron, subsecretária da Secretaria Municipal de Cultura) e da Bahia (Renata Dias, diretora da Fundação Cultural do Estado da Bahia), permitiu que os participantes dos Encontros de Preservação conhecessem algumas políticas públicas adotadas para garantir a preservação do patrimônio audiovisual brasileiro.
Da digitalização de acervos do MIS (Museu da Imagem e do Som), em BH, passando pelo fórum de representação civil mantido há 15 anos em Niterói para discutir o assunto e chegando às propostas de qualificação de entidades de patrimônio fílmico na Bahia, o encontro mostrou que, apesar do cenário incerto e muitas vezes nebuloso, o setor tem apresentado iniciativas interessantes surgidas do poder público.
Nos três casos apresentados, o que chamava atenção é condição econômica favorável de cada uma dessas localidades e opção estratégica de valorizar e investir na cultura, além do empenho de governos distintos em reconhecer a importância da preservação e da manutenção das ações efetivas para o avanço de projetos há muito em gestação. Todos os três buscam garantir a preservação do material armazenado em condições adequadas, incentivar a pesquisa aberta ao público e iniciativas de difusão e circulação das obras, para que não fiquem só depositadas em ambientes internos e inacessíveis. E Niterói e a Bahia tem ainda iniciativas de estímulo à produção audiovisual, tendo como objetivo tanto o desenvolvimento do setor cinematográfico e econômico regional, quanto a construção de uma memória fílmica de suas territorialidades.
A última mesa da sexta-feira, “A preservação audiovisual frente às novas tecnologias”, buscou apresentar algumas alternativas para esta questão, com a presença de representantes de empresas e canais de televisão discorrendo sobre suas atividades ou produtos usados para manter acervos vivos e protegidos. Representantes da Sony (Erick Soares) e do Media Portal (Fabio Tsuzuki) falaram de Hds, nuvens e equipamentos dos mais variados tipos para que se haja a segurança do arquivamento de materiais sem durabilidade garantida, como películas e arquivos digitais. Veterano no trabalho com acervos, Zé Maria, gerente de documentação da TV Cultura, comentou de seus 40 anos de trajetória e da necessidade de sempre se atualizar diante dos desafios da área.
Uma preocupação levantada por Beatriz Kushnir, diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, é o projeto de lei 7920/2017, que tramita na Câmara com objetivo de permitir a queima de documentos originais após sua digitalização. Numa manobra recente, o governo federal editou medida provisória permitindo a queima de originais, indo contra vetos da Lei 12682, que já tratava do assunto – ou seja, a MP é uma decisão autocrática que põe em risco e em instabilidade jurídica a autenticidade e a memória de uma infinidade de registros. A inquietação de quem trabalha com arquivos ficou evidente durante a apresentação de Kushnir, o que poderá fazer o assunto retornar em outras mesas durante esta edição da CineOP.
EXIBIÇÕES
Um momento especial marcou a sexta-feira: a estreia do Cine Cemig na Praça, com filmes da Mostra Educação e da Mostra Contemporânea, com filmes relacionados à temática desta edição. Na primeira sessão, destaque para a presença de Mãe Efigênia, que, após participar do debate da tarde, assistiu, com a família, ao documentário “Tem quilombo na cidade: Manzo Nzungo Kaiango”. A produção apresenta três quilombos, entre eles o que é liderado pela ouro-pretana, que retornou à cidade natal pela primeira vez em 40 anos. O filme foi dirigido por Bruno Vasconcelos e Alexia Melo, que participa de um dos debates programados para este sábado.
Destaque também para a pré-estreia nacional de “Rio da Dúvida”, de Joel Pizzini, que abriu a exibição juntamente com a equipe do filme, apresentando o trabalho de recriação da expedição científica comandada pelo coronel Rondon e pelo ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt. Outras sete sessões, trazendo 28 filmes, entre curtas e longas, marcaram a programação do dia.
PRESERVAÇÃO, TERRITORIALIDADE E EDUCAÇÃO CONTINUAM EM PAUTA NESTE SÁBADO
Os temas abordados nesta sexta continuam reverberando na programação deste sábado, 8 de junho, trazendo para a CineOP o protagonismo de uma discussão fundamental para o cinema brasileiro. Às 9h45, no Centro de Convenções, acontece o debate “Mulheres negras e o cinema”, que parte da experiência da arte-educadora Alexia Melo (que teve seu “Tem quilombo na cidade” exibido ontem, no Cine Cemig na Praça), da pesquisadora Janaína Oliveira e da coordenadora do projeto Kizomba, Makota Kidoiale, para entender a relação entre as mulheres negras, suas terras, ancestralidades, conhecimento, espiritualidade e cultura com o cinema.
Já “Regionalização e a preservação do cinema brasileiro” em debate das 10h às 12h30, reúne alguns dos principais especialistas em história do cinema do Brasil para pensar o patrimônio audiovisual brasileiro pelo prisma da regionalização e de que maneira esta produção ajudou a construir o patrimônio cinematográfico brasileiro. O tema será discutido sob a ótica do presidente da ABPA, Carlos Roberto de Souza; da professora e pesquisadora Luciana Araújo; do professor Lúcio Vilar; e do cineasta e pesquisador Luís Rocha Melo, mediados pela pesquisadora Alice Dubina Trusz.
Este debate está em diálogo direto com “Difusão do Patrimônio audiovisual e formação de plateias regionais”, que vem a seguir, às 14h30, e aposta na formação de público como elemento fundamental na valorização do patrimônio audiovisual preservado em diferentes arquivos. Neste sentido, serão apresentados arquivos e cinematecas regionais que desenvolvem trabalhos relevantes de difusão e formação de plateia, como é o caso do MIS, representado por seu coordenador, Alexandre Sônego, e por sua diretora, Cristiane Senn; da Cinemateca do MAM (RJ), Hernani Heffner; e da Cinemateca Capitólio (RS), Marcus Mello; a partir da mediação de Antônio Laurindo, do Arquivo Nacional e membro da Diretoria da ABPA.
Relacionada a esta discussão está a mesa da temática Histórica, “Circuitos Regionais e Cinema Independente”, marcada para as 16h45. O foco será discutir de que forma certos circuitos regionais, que promoveram espaços de interlocução entre cineastas, produtores, críticos e historiadores, como festivais de cinema, coletivos cinematográficos e revistas de cinema, propiciaram novos caminhos para o cinema brasileiro. Um exemplo é o da Casa de Cinema de Porto Alegre, apresentado pela historiadora Alice Dubina Trusz. Além dela, falarão sobre o assunto os cineastas Sérgio Péo e Sylvio Lanna, ambos com filmes na programação deste sábado na 14ª CineOP. A mediação será feita pela curadora Lila Foster.
Com foco na Educação, um dos eixos centrais do evento, o debate acontece mais cedo, às 14h30. O encontro “Cinema e Educação: Cooperações na América Latina” identificará as aproximações, os diálogos entre as práticas e as políticas que fortaleçam o intercâmbio latino-americano e o campo da educação. Com este objetivo, estarão presentes representantes de projetos realizados em diferentes países. A experiência uruguaia será apresentada pelas coordenadoras audiovisuais do Cineduca, Carmen Canavese e Graciela Acerbi; e a argentina, por Clara Suárez, do Festival Cine a La Vista. Do Brasil, participam Regina de Assis, diretora de educação, cultura e comunicação TV Escola, e Solange Stecz, do projeto Educação audiovisual na formação de docentes, do Paraná. A mediação será da professora e pesquisadora Ana Lúcia Azevedo.
O BRASIL REPRESENTADO NAS TELAS
A educação sai da sala de aula e vai ao cinema, com a apresentação dos curtas da Mostra Educação. Serão 12 filmes, de sete estados brasileiros, produzidos por educadores, estudantes e cineastas no contexto escolar e espaços não formais de ensino. A sessão, seguida por bate-papo com os realizadores, começa às 17h, no Cine-Teatro.
“Até onde pode chegar um filme de família”, que será exibido no Cine Cemig da Praça, na Praça Tiradentes, às 18h45, traz consigo uma preciosidade. Ele recupera aquele que é considerado o primeiro registro cinematográfico feito no país, pelo ouro-pretano Aristides Junqueira. Seu sobrinho-neto, Rodolfo Junqueira Fonseca, tem como ponto de partida o filme “Reminiscências”, gravado entre 1909 e 1926, para recontar a história deste pioneiro do cinema nacional, pouco conhecido nos dias atuais.
O longa “Carvana”, por sua vez, tem como personagem alguém que está na memória e coração dos brasileiros, o ator Hugo Carvana. É ele mesmo quem narra sua trajetória, desde o tempo de estudante de teatro até se tornar um dos principais nomes do Cinema Novo. A película, que traz cenas inéditas de making of, mostrando o ofício do ator em sua rotina de trabalho, será exibida a partir das 20h30, também ao ar livre.
Quem preferir as sessões no Cine Vila Rica tem programação a partir das 18h30, com exibição de curtas do Canal Thomaz Farkas, que integra a Mostra Preservação. Serão cinco curtas: “Jornal do Sertão”, de Geraldo Sarno; “Paraíso, Juarez”, de Thomaz Farkas; “Padre Cicero”, de Paulo Gil Soares, Sérgio Muniz e Geraldo Sarno; “Feira da Banana”, de Guido Araújo; e “Um a Um”, de Sérgio Muniz (O case deste canal dedicado à preservação será apresentado no domingo, às 17h15, no Centro de Convenções).
Na mesma metragem, às 19h45, começam os filmes da Mostra Histórica, com “Malandro, termo civilizado ou malandrando”, de Sylvio Lanna; “Aluminosa Espera do Apocalipse”, de Rui Vezzaro, Fernando Severo e Peter Lorenzo; “Cinemação Curtametralha”, de Sérgio Peo e “O Pagode de Amarante”, de Dácia Ibiapina.
Outra figura marcante do cinema brasileiro, a atriz Helena Ignez, ganha as telas no documentário “A Mulher da Luz Própria”, dirigido por sua filha, a diretora e também atriz Sinai Sganzerla, com exibição às 21h. Helena Ignez é uma das principais personalidades femininas do cinema brasileiro, que inaugurou um estilo de interpretação. Ela, inclusive, dá nome a uma das premiações da Mostra de Cinema de Tiradentes, também promovida pela Universo Produção, no mês de janeiro, na cidade histórica.
A Mostra Contemporânea encerra a programação no Cine Vila Rica, às 22h30. Serão quatro títulos: “Sem título #5: A rotina terá o seu enquanto”, de Carlos Adriano; “Princesa morta do Jacuí”, de Marcela Ilha Bordin; “Thinya”, de Lia Letícia; e “Num país estrangeiro”, de Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes.
OFICINAS
Duas outras oficinas começam neste sábado: “Séries para TV: Humor e Drama”, com Renata Côrrea; e “Introdução à direção de Cinema – A Construção da mise-em-scène”, com Eduardo Aguilar; que se juntam à oficina “A invenção do documentário e o documentário de invenção”, do cineasta Joel Pizzini, que teve início na sexta. Elas serão responsáveis, juntamente com o workshop internacional “Cinematecas regionais – O exemplo da cinemateca da Bretanha”, programado para domingo, pela capacitação de 150 pessoas, contribuindo assim para a formação de mão de obra e conhecimento do cinema brasileiro.
ARTE POR TODA PARTE
Neste sábado, a CineOP promove um de seus momentos mais concorridos. O Cortejo da Arte, marcado para as 11h30, sai do Cine Cemig na Praça, instalado na Praça Tiradentes, com destino ao Cine Vila Rica. Para esta edição, o Sesc em Minas, parceiro cultural do evento, tomou como diretriz a temática proposta pelo evento de abordar os territórios regionais e apostou nas manifestações culturais tradicionais e grupos artísticos de Ouro Preto e região.
À noite, a partir das 22 horas, o Sesc Cine Lounge Show, no Centro de Convenções, será palco da Noite - Sons Urbanos, que começa com o DJ Pátrida. Ele abre a noite para o MC Roger Deff e seu show Etnografia Suburbana, do primeiro disco solo do rapper mineiro. A festa termina com o grupo Chama o Síndico, um dos principais nomes do carnaval belo-horizontino, reverenciando Jorge Ben Jor e Tim Maia, com uma mistura rítmica de samba-funk-afoxé-xote-soulcarimbó-reggae-power. A entrada para os shows é gratuita, com distribuição de ingressos a partir das 22h, na bilheteria do local.