O nosso cotidiano é de enfrentamento aos diversos desafios da vida, e em Ouro Preto o turismo e seu patrimônio é um desafio a parte muito discutido nos últimos tempos, principalmente em tempos de eleição.
Aprendemos a desconfiar dos dois temas. O patrimônio ficou circunscrito em uma área preestabelecida, mas ao mesmo tempo influenciando o modo de viver de todos. Sobre o turismo, nossa desconfiança é ainda maior, pois o turista apresentou-se como um invasor que só se interessa pelo nosso patrimônio. Pior de tudo, o turismo proposto até aqui ainda não se mostrou ser a salvação dos muitos problemas de estagnação socioeconômico, e consequentemente cultural, de que que todos falam.
Nos últimos anos as condições econômicas do país melhoraram, os níveis de escolaridade e culturais também melhoraram, assim, aconteceu uma verdadeira revolução na acessibilidade e mobilidade geográfica. Sentimos incentivados em satisfazer novas necessidades culturais onde o turismo tem sido um meio eficiente para isso. Esse fato tem gerado um movimento turístico sem precedente na nossa história e vultuosos investimentos são feitos para satisfazer essa nova necessidade.
O turismo transformou-se em importante ferramenta de globalização estreitando distâncias e, ao mesmo tempo causando uma turistificação maciça dos espaços urbanos. Em Ouro Preto até hoje esse movimento tem ocorrido sem planejamento ou discussão com a comunidade local resultando em uma interferência na qualidade de vida da população que nela circula, tudo isso justificado pelo mito do crescimento econômico, mas, esse crescimento ocorreu só para alguns. Não é, portanto, surpresa que tenhamos começado a ver o turismo com maior desconfiança.
Hoje nos encontramos perante um novo desafio que é o de combinar de maneira inovadora a cultura e a economia, transformando o patrimônio e nossas memórias a ele associado em produtos turísticos no sentido real da palavra, isto é, com funções que impliquem a sua reelaboração produtiva. Para discutir o turismo, é preciso considerar sua complexidade estrutural e operacional, considerando também seus efeitos positivos e negativos sobre o espaço e sobre as pessoas que ocupam e usam este espaço. É imprescindível que a discussão sobre o desenvolvimento do turismo em Ouro Preto, inclua a população na sua totalidade.
Isto significa que o turismo não é um fim em si mesmo. É um meio. É uma oportunidade de utilizar a herança patrimonial da sua população ao longo dos tempos, portanto, não é justo que essa herança seja explorada em benefício de poucos. A população tem necessidade e direito de utilizar o seu patrimônio em diferentes contextos de tempo e de espaço, como recurso seja de memória, função primordial dele enquanto assegura as noções de continuidade e de transformação, como recurso didático, recurso científico e turístico. O patrimônio tem assim, antes de mais nada um valor instrumental.
É fato que o turismo gera empregos nas diversas empresas do trade e, também, em outras empresas não diretamente ligadas. O turista se depara com pessoas que trabalham para melhor atendê-lo para que ele volte mais vezes, introduzindo “dinheiro novo” na economia local. Essas pessoas somos nós, os moradores locais, e normalmente trabalhamos muito, por uma remuneração baixa, vemos nosso ambiente e nosso modo de vida mudar de repente em razão da visitação de pessoas que nem mesmo sabemos quem são e de onde vêm.
Quando o turista decide viajar, ele imagina o lugar que visitará, cria o seu roteiro, procura se informar sobre o que encontrará nos atrativos, em quais restaurantes irá comer e em que local irá se hospedar. Mas será que é importante para ele conhecer quem vive no destino? Quais são suas tradições? Suas expectativas? Seus valores?
Nos últimos tempos nasceram novas realidades no turismo que nos permitem integrar harmonicamente dimensões econômicas e culturais tendo sempre como referência o desenvolvimento sustentável que nos garanta o futuro. De fato, o turismo é hoje uma atividade multidisciplinar que proporciona variadas oportunidades de desenvolvimento econômico, e de enriquecimento cultural das comunidades locais e daqueles que as visitam. E, no caso do patrimônio que é utilizado como recurso turístico, permite rentabilizar as despesas com a sua conservação e reabilitação que, normalmente, são muito onerosas.
Como falamos anteriormente, uma atividade como o turismo oferece muitas oportunidades mas também comporta problemas dos quais temos de estar conscientes. Não é por termos um grande patrimônio, ainda que muito valioso, que o sucesso da atividade turística está assegurado. Os bens patrimoniais só serão recursos turísticos se forem e se mantiverem bem conservados, se forem alvo de um adequado plano de gestão e se forem objeto de uma ampla e correta promoção. Esta valorização do patrimônio só é desenvolvida se tiver em vista o desenvolvimento local, e para isso deve mobilizar todos os recursos existentes no território: Centros Culturais, Museus, Narrativas, e a sua população, que é seu maior patrimônio. A diversidade é uma vantagem da oferta cultural local. Nesse sentido há que elaborar políticas turísticas tendo em conta as características e as necessidades das diversas realidades sociais, culturais, territoriais.
Esta nova e intensa atividade usando o patrimônio como recurso turístico, obriga-nos a cuidar melhor dos bens culturais e nos tornando todos responsáveis por eles e pela sua conservação e, nesse sentido, é um poderoso fator de transformação social, e de educação para a cidadania; obriga-nos a associar o patrimônio cultural e os recursos naturais e ambientais, percebendo deste modo a importância da preservação da natureza e tomando consciência da necessidade de uma correta gestão dos recursos.
É chegado o momento de requalificarmos os nossos bens culturais e naturais, atribuindo-lhes uma nova função social, que contribua para o aumento dos níveis da cultura de sua população e que garanta a todos um futuro centrado na sustentabilidade. Mas, é o momento, sobretudo, de aprendermos com as experiências pioneiras de outras localidades que ousaram mais do que nós, e quem sabe, através desses exemplos, encontrarmos uma outra estrada, mais larga culturalmente, na direção do turismo em favor de um desenvolvimento mais democrático.