O dia 28 de julho, quarta-feira, acrescentou mais uma pena ao rosário que o povo de Antônio Pereira desfia desde 1º de abril de 2020, quando a barragem Doutor, de propriedade da Vale S/A, teve o nível de risco elevado de 1 para 2.
A tudo que os cerca de cinco mil habitantes do distrito ouro-pretano vêm sofrendo há mais de um ano - pânico face à possibilidade de rompimento da barragem, distúrbios psíquicos e problemas variados de saúde, remoção de quase 600 pessoas da chamada Zona de Autossalvamento, quebra de vínculos afetivos e familiares, desvalorização imobiliária, perda de trabalho e renda, fechamento de atividades comerciais, depredações, insegurança etc. - somam-se as tempestades de poeira que viraram triste rotina, fruto das obras de descomissionamento da barragem, conduzidas sem o mínimo respeito à população. Os efeitos mais imediatos são tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz e garganta, e ainda falta de ar e respiração ofegante, com resultados ainda mais graves para a saúde de grupos sensíveis, como crianças, idosos e pessoas com problemas cardiorrespiratórios. Além, claro, do trabalho redobrado que sobrecarrega as mulheres no cuidado com as crianças e o lar, sem contar os custos elevados com material de limpeza.
A voz dos próprios pereirenses, espelhada nos grupos de WhatsApp, dá a medida do que estão passando: “Bom dia com poeira, rinite, sinusite, ansiedade, medos, síndrome do pânico, incertezas e descaso da VALE. Destrói nossas montanhas, destrói o meio ambiente, destrói sonhos e acaba com nossa saúde” diz uma moradora.
O coordenador da AMAPT (Associação Movimento Antônio Pereira para Todos), Wilson Nunes, enviou ofício ao gerente geral da Vale no Complexo de Mariana, ainda no dia 28, solicitando, “em caráter de urgência”, o emprego de caminhões-pipa “em número suficiente para molhar as estradas de acesso da Vale 24 horas por dia“ e outro “para as ruas do distrito e da Vila”.
Diante do descaso da empresa, porém, o desalento já se instalou, como registrado no aplicativo de mensagens: “Não está adiantando ficar pedindo para a Vale jogar água na poeira depois da poeira se alastrar no território todo. A Vale está careca de saber que se não molhar constantemente vai ter poeira toda hora, tá na cara que ninguém aqui tem moral com a Vale, ela ignora a população e faz o que bem quer, faz hora com a cara dos moradores. Quando ficamos horas e horas reclamando, ela joga um pouquinho de água, depois finge de lerda até a poeira alastrar novamente, aí começa tuuuuuudo outra vez.....A Vale não é amiga nossa, ela quer nos fazer sofrer e nos matar! A VALE É INIMIGA E MALDOSA!!!”
A comunidade apelou para o Ministério Público, que tem alguns de seus membros participando de grupos locais de mensagens: “MPMG nos ajude! SOCORRO!”, brada uma moradora. Outra demanda da comunidade é a contratação imediata da Assessoria Técnica Independente (ATI) a que tem direito tanto pela Lei Estadual 23.795/2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens, como por decisão judicial da 2ª Vara Cível de Ouro Preto. A ATI - para a qual foi escolhido por ampla margem de votos o Instituto Guaicuy - tem por objetivo assessorar as pessoas atingidas com acolhimento psicossocial, informação técnica de qualidade e mobilização social com vistas à reparação integral dos danos causados pela mineração.
É o que explica um morador no Whatsapp: “Precisamos URGENTE da ASSESSORIA TÉCNICA GUAICUY atuando, pois, como vimos na reportagem em Nova Lima, a comunidade lá contratou serviços independentes para provar que a Vale estava prejudicando a SAÚDE dos moradores com emissão de poluentes até mil vezes acima do limite aceitável na legislação. Aqui precisamos também de monitoramento da qualidade do ar, da água e de ruídos. Hoje só temos os monitoramentos da VALE. E precisamos ter informações claras e confiáveis. Ninguém consegue acreditar nos dados da empresa Vale”. Outra completa: “Tem que mandar pro Ministério Público. Quem sabe a juíza vê o que estamos passando e libera logo a ATI, antes que a gente morra aqui”.
A invasão do pó nas ruas, casas, olhos, gargantas e pulmões de Antônio Pereira é mais um dano grave que precisa cessar e ter suas consequências perversas reparadas. As fotos e vídeos que acompanham esta Nota falam por si. A exemplo da cidade vizinha de Congonhas também vítima da poeira avassaladora das gigantes da mineração, o distrito de Ouro Preto esperar que o Ministério Público defenda esse povo sofrido, exigindo que os órgãos ambientais do município e do estado monitorem permanentemente o nível de particulados no ar da região e que a Vale adote medidas efetivas para eliminar de vez o problema.
Antônio Pereira, Ouro Preto - 30/7/21
Assinam:
Associação Movimento Antônio Pereira para Todos - AMAPT
Projeto Manuelzão
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
Comissão dos Atingidos pela Barragem Doutor.