No Brasil, sabemos que todos os direitos dos quais usufruímos hoje foram conquistados com muita luta no passado histórico. Sabemos também que nenhum direito está garantido de fato e é sempre preciso lutar, pois infelizmente o poder econômico prevalece sobre o bem estar, a qualidade de vida, a qualidade ambiental e, em muitos casos, sobre a própria vida.
O município de Ouro Preto, em Minas Gerais, é rico em recursos hídricos e também em minério e a grande mineração predatória vem causando tanta destruição e sofrimento que as pessoas encontram na luta coletiva a única maneira de buscar o cumprimento de direitos, inclusive de direitos humanos básicos à vida. Um exemplo tem sido a luta do povo de Antônio Pereira diante do inferno em que a empresa Vale transformou a vida do distrito. Estamos rodeados pelos maiores crimes ambientais da história do nosso país, causados pelos rompimentos de barragens de rejeitos minerários e corremos esse risco em nosso município.
Além disso, a mineração consome muitíssima água. Mesmo assim, recentemente, com a concessão dos serviços de saneamento a uma empresa privada - a Saneouro, pertencente à multinacional GS Inima - a população descobriu que precisará pagar caro para ter acesso à água. Perguntamos então: é justo lutar para que esse bem não se transforme em mercadoria a ser vendida por uma empresa que tem como objetivo a maximização dos seus lucros? E é isso que parte da população de Ouro Preto vem fazendo e que enche de orgulho a todos nós que já nos preocupávamos com tanta destruição ambiental em nosso território, incluindo a poluição de nossos córregos e rios com o descarte direto de esgoto.
Acontece que nem o tratamento de esgoto temos perspectiva de ver acontecer com essa privatização, pois no planejamento da Saneouro, isso não aparece como uma prioridade e pode demorar até 35 anos (período de duração do contrato) para se tornar uma realidade! Enquanto isso, muitas famílias na sede e nos distritos vem recebendo simulações de contas com valores abusivos. É uma contradição enorme pagarmos por um bem comum que é abundante em nosso território, que vem sendo abusado pela mineração (inclusive com processos de destruição irreversíveis) e também tratado com total descaso pelo poder público. Diante deste quadro, culpar a população pelo mau uso da água é no mínimo desonesto. Promover a conscientização no uso doméstico não tem nada a ver com o que está acontecendo: aqui se trata de mercantilizar um bem comum fundamental à vida e à saúde.
Por isso, a manifestação popular deve ser motivo de orgulho para o povo ouro pretano e para o poder público. É a resistência diante da injustiça e do contrassenso, ou seja, diante de uma situação que vai contra a razão e a inteligência. Além disso, é uma oportunidade gigantesca de fomentar uma discussão verdadeiramente popular sobre o tema da água, que é o tema do nosso século. É o momento de ouro para engajar a população no cuidado com nossos rios e matas, nossa maior riqueza. O patrimônio natural e histórico de Ouro Preto é o que verdadeiramente restará quando o minério acabar. Na verdade, é tudo o que temos, pois já sabemos das mazelas que a grande mineração predatória causa e já podemos imaginar a destruição que deixará em sua investida final sobre nosso território.
Nota de repúdio à abordagem da Saneouro em S. Antônio do Leite, distrito de Ouro Preto
Vivemos uma triste realidade, que não condiz com a riqueza que sai desta terra: Não há tratamento de esgoto na quase totalidade dos distritos de Ouro Preto e na maior parte da sede. Agora é a hora de exigir que o planejamento para o tratamento do mesmo seja feito com participação popular, de forma clara e em reuniões abertas nas comunidades, com a presença de representantes das secretarias competentes.
Em Santo Antônio do Leite, temos uma luta por saneamento básico, principalmente tratamento de esgoto, desde 2018. Estamos indignados pois alguns de nós aderimos a essa luta, contra o absurdo do que está acontecendo, e impedimos que colocassem o hidrômetro em nossas casas. É a única arma que temos para lutar contra uma empresa cujo contrato está sendo investigado, cujas tarifas não foram explicitadas à população antes da contratação e cujo planejamento de ação é unilateral e não prioriza o que é prioritário por direito.
Contudo, estamos sendo chantageados pela empresa que instalou nova rede de canos de distribuição em alguns pontos do distrito e ameaça desligar a antiga, na qual estão ligadas as casas sem hidrômetro. Ameaças de que as pessoas terão que pagar 1.000,00 reais para hidrometração posterior
também foram feitas por funcionários da empresa. Em outras situações, pessoas que pediram ligação ao terminarem de construir, foram informadas que devem pagar uma taxa de 500 reais para que seja feita a ligação. Outra moradora que comprou um lote foi informada que deveria desembolsar 3.900,00 reais (!!!) para que a tubulação chegasse da rede à sua casa. Ao final, pagou 500,00 para a Saneouro fazer a ligação, após ter tido que pagar um advogado para defendê-la.
As visitas de supervisores da Saneouro aos moradores do Leite não foram amistosas, não houve espaço para o diálogo com moradores resistentes à instalação dos hidrômetros, não foi permitido aos moradores filmar as conversas e não foi respondido claramente se a empresa vai cortar o abastecimento dessas casas, conforme haviam ameaçado. Quando perguntava-se ao supervisor se a Saneouro vai cortar a água, ele respondia com um arrogante “provavelmente”.
Por tudo isso, viemos registrar aqui nossa indignação e mostrar cruamente ao povo que entregar nossa água para uma empresa particular pode nos custar muito caro.
Viemos também dizer aos gestores públicos que esta é a oportunidade para se revolucionar a gestão da água no nosso território. Considerando-se que os períodos de seca vem se tornando cada vez mais intensos, viemos cobrar do poder público um projeto concreto de gestão de nossas águas para que possamos, nos próximos anos, contar com todas as fontes locais possíveis em caso de necessidade e escassez, como agora. Cobramos da atual gestão o cumprimento do compromisso de campanha de retirar a Saneouro.
Cobramos também o comprometimento da prefeitura de enfrentar com seriedade as questões de poluição dos córregos e rios, saneamento básico, proteção de nascentes (inclusive no que diz respeito a queimadas, com a urgente formação de brigadas locais, pois nos arriscamos todos os anos apagando o fogo que ameaça nossas casas, já que não podemos contar com o contingente de bombeiros na maior parte dos chamados), fiscalização da proteção de nascentes e apoio aos projetos locais de regeneração ambiental, social e cultural. Não é novidade, no século XXI, que essas são dimensões interligadas dos mesmos problemas que enfrentamos diante do descaso do poder público com nosso distrito.
Lembramos aos gestores públicos que habitamos uma região de nascentes, importante para o abastecimento de grande população que habita as bacias hidrográficas envolvidas, que a qualidade de vida e a qualidade ambiental são a nossa verdadeira riqueza, que nosso território e nossa população já
sofrem muitos danos advindos da grande mineração. Exigimos que sejam garantidas, no plano plurianual, verbas direcionadas à regeneração de nossos recursos hídricos e dos modos de vida que caracterizam nossos distritos.
Assinado: Moradores de Santo Antônio do Leite