Ocupando a magnifica Casa da Opera de Ouro Preto, pela primeira vez, a exposição Lago Interior da artista Mariana Palma (São Paulo, SP,1979) é um desdobramento da mostra “Assim como os jardins...” que aconteceu entre 08 de outubro a 12 de dezembro de 2021 no Palácio das Artes em Belo Horizonte. Se naquela mostra o público era convidado a construir o espaço a partir da forma, aqui, o público é parte integrante do mistério das coisas e da vida que toma o ambiente. Mariana é uma artista de reconhecimento internacional no cenário contemporâneo e sua prática acontece no drama e no mise-en-scène das imagens orgânicas presentes nas cores e texturas da paisagem cotidiana criando imagens femininas de grande potência.
Esta é a primeira vez que a Casa da Ópera de Ouro Preto recebe uma ocupação de Arte Contemporânea num evento pioneiro no Brasil. Segundo Mariana: “Nesta obra; A_Fluir, há um forte comentário sobre as imagens e forças que são visíveis através do reflexo e que tomam o espaço para si. O looping de ondas que se propagam pelo espaço induz a um estado meditativo, a repetição nos encaminha para um transe. A cachoeira desagua sem molhar, mas inunda por dentro." A Casa da Ópera de Vila Rica, hoje Teatro Municipal de Ouro Preto, é o mais antigo teatro em funcionamento das Américas e tem papel importantíssimo para o desenvolvimento das artes no cenário Nacional. Para o curador Wagner Nardy: “Lago Interior propõe uma experiência filosófica a partir da luz e suas várias possibilidades de sentido e significação. A obra ressignifica o espaço através da instalação de uma cascata dentro do Teatro que cria um lago convidando o público ao silêncio, a interiorização e a reflexão dos muitos assuntos políticos que permeiam a relação consigo com o outro, o entorno e o universal.
“EURUS AD AURORAM OU LAGO INTERIOR”
"O vento leste retirou-se para a Aurora e aos reinos de Nabatéia e Pérsia, às encostas iluminadas pelos raios da manhã. Nasceu o homem, seja porque Artíficie das coisas, Origem de um mundo melhor, o fez de divina semente; Ou se a recentíssima terra por fim, separada do espaço celeste, Guardou consigo sementes do consangüíneo céu."
Ovidio. Metamorfoses 1, v 61-62
Ocupando a magnifica Casa da Opera, pela primeira vez, a exposição Lago Interior da artista Mariana Palma (São Paulo, SP,1979) é um desdobramento da mostra “Assim como os jardins...” que aconteceu entre 08 de outubro a 12 de dezembro de 2021 no Palácio das Artes em Belo Horizonte. Se naquela mostra o público era convidado a construir um espaço a partir da forma, aqui, o público é parte integrante do mistério das coisas e da vida que toma o ambiente. A prática de Mariana acontece no drama e no mise-en-scène das imagens orgânicas presentes nas cores e texturas da paisagem cotidiana criando imagens femininas de grande potência. Não poderia haver melhor escolha para montagem desta obra que a Casa da Ópera de Vila Rica, hoje Teatro Municipal de Ouro Preto, o mais antigo teatro em funcionamento das Américas. Foi construído em 1769 por João de Souza Lisboa e inaugurado em 6 de junho de 1770, no aniversário do Rei Don José I e deu oportunidade para que algumas das pioneiras atrizes brasileiras pudessem subir em cena pela primeira vez., revolucionando a moral da época que não admitia mulheres no palco. Aqui, partindo da observação da luz para questionar o olhar a partir daquilo que se vê, porque se vê e o que é, a artista cria uma delicada metáfora sobre redenção e paz interior num belíssimo jogo de imagens no qual, a queda é também ascensão e os transbordamentos, transformações. Lago Interior reflete sobre as muitas problemáticas contemporâneas sendo espécie de espelho provisório onde Narciso pode ter se perdido e Eco ressoado pela eternidade vazia num cíclico processo de reflexo e reflexão. Como os feixes de luz que inundaram o ateliê de Mariana, numa manhã em que o sol brilhou sobre uma bacia cheia d’água num canto do jardim, é sobre essa superfície sagrada da representação que a obra hoje deságua e chora e inunda pranto e beleza. Me parece adequado trazer aqui Henry David Thoureau (Massachusetts. EUA. 1817-1862) e sua célebre obra, “Walden”, na qual o autor narra sua mudança da cidade para viver junto ao lago - de mesmo nome do título, a procura de sentido: “É glorioso vislumbrar essa faixa d'água reluzindo ao sol, a face nua do lago cheia de júbilo e juventude, como a proclamar a alegria dos peixes em seu seio e a das areias na praia — um brilho prateado como o das escamas de um leucisco, como se o lago a descoberto fosse um só peixe a se mexer... O Walden estava morto e está vivo outra vez!”. Sua decisão é projetual; Henry questionava o sistema industrial que despertava na América e que seria o prelúdio das engenhosas iras capitalistas a corroerem os alicerces da ainda sonhada modernidade antes mesmo de sua geração. Sua amizade com o lago e seu entorno criaram um dos relatos mais honrosos sobre nossa posição diante da natureza ao nosso redor. É mesmo com a luz do sol que “Walden” começa seu degelo e seu brilho ecoa em esperança de uma nova, tão desejada, forma de viver: “Por fim os raios do sol atingiram o ângulo certo e ventos quentes sopraram as chuvas e a neblinas e derreteram os bancos de neve; e o sol, dispersando as névoas, sorriu a uma paisagem variegada de castanho avermelhado e do branco enfumaçado de incenso, pela qual o viajante segue seu caminho indo de uma ilhota a outra, embalado pela música de milhares de murmurantes riachos e ribeirões cujas veias estão cheias do sangue do inverno que vão carregando.” H.D Thoureau. Walden ou A Vida nos Bosques. 1854.
WAGNER NARDY CURADOR