O Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, até hoje vigente, assinado por Getúlio Vargas, que criou o atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em seu parágrafo 2º, do art 1º, diz: “Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importa conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”.
Em 1938, Ouro Preto foi a segunda cidade brasileira a ser tombada pelo IPHAN. O processo de tombamento diz que “ficam tombados o conjunto histórico e arquitetônico da cidade de Ouro Preto e seu conjunto paisagístico”. Isto significa que está legalmente preservada também a paisagem ouro-pretana, seu entorno, visto do Centro Histórico, incluindo seu perfil montanhoso, o Itacolomi, a Serra do Ouro Preto. O “conjunto paisagístico” que confere a moldura topográfica a Ouro Preto integra, portanto, o patrimônio natural, cultural, turístico, porque diz respeito à origem da cidade no período inaugural do Ciclo do Ouro e compõe sua moldura paisagística e natural, indissociável à rua origem e história.
Em 1986 o IPHAN, por sua representação em Ouro Preto, sob coordenação do engenheiro Dimas Dario Guedes, elaborou estudo do perímetro de tombamento, com minucioso estudo dos limites geográficos e fotográficos. O perfil do sítio natural de Ouro Preto, de suas montanhas, até onde se enxerga seu conjunto paisagístico, está apontado neste estudo. Se desrespeitado, abre precedente grave para a especulação imobiliária que não tem compromisso ou finalidade social.
Em 1980, Ouro Preto foi a primeira cidade histórica brasileira a ser inscrita na lista da Unesco de Cidades com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Os longos e minuciosos estudos feitos pelo IPHAN, com participação da equipe técnica do Icomos, órgão técnico das Unesco, levaram em consideração a formação montanhosa de Ouro Preto, que integra sua história, condicionou sua origem e compõe a paisagem da cidade.
Destruí-la, portanto, é crime e atentado à tricentenária cidade, objeto de visita de estudiosos de todo o mundo, historiadores, arquitetos, artistas, jornalistas, críticos de arte. Desfigurá-la agride sua reputação, compromete seu patrimônio edificado e natural, ofende a consciência crítica da cultura universal. Ouro Preto é lembrada e citada em todos os livros de História, Arquitetura, Arte Sacra, Cultura e Turismo de todo o mundo. Mantém-se como objeto de estudo em todo o mundo, por sua excepcionalidade, singularidade e exemplaridade do seu acervo arquitetônico, histórico, artístico e cultural, onde se gerou o Barroco Colonial Mineiro e serviu de paradigma para o IPHAN em seus estudos de tombamento, restauração e preservação. E que foi divulgado e cultuado pelo Movimento Modernista Brasileiro.
A sociedade que se forma em Vila Rica, que levou aos acontecimentos que levaram à criação, em 1720, da Capitania das Minas do Ouro, à Inconfidência de 1788/89, às ideias de Independência e de República, ao surgimento de um “estilo de vida e de arte” com reconhecimento internacional, justificam plenamente a manutenção do perfil paisagístico e natural da tricentenária cidade. E que não podem ser desfigurados pela ação destrutiva do negócio ganancioso, sem limites ou respeito à sua história. O loteamento em curso nada representa quanto à oferta de moradias a populações carente da cidade.
O loteamento que surge nas encostas da cidade, a partir da chegada, é uma afronta à cidade, à sua reputação, à sua fotografia, à sua paisagem mundialmente divulgada. Como pode ser aprovado pelo IPHAN, pela Prefeitura, órgãos ambientais do Estado e pelo DNIT que permitiu a alteração do curso da Br-356 para beneficiar empresa privada? O Ministério Público, guardião do bem tombado foi ouvido?
É importante lembrar que na chegadas de Ouro Preto existe a Área de Proteção Ambiental do Tripuí, por seus sítios históricos e pela presença do paleontológico Peripatus Acacioi, reconhecido pela ciência. Será atingida esta área? Enfim, são questões pertinentes e graves, que merecem estudo, levantamentos e a indispensável atenção para evitar novas desfigurações de Ouro Preto.
Mauro Werkema
Foto Eduardo Tropia @eduardo_tropia