Por: Agliene Melquíades, Caroline Hardt, Débora Mendes, Flávio Ribeiro e Priscila Ferreira
Imagem: Flávio Ribeiro
Entre os paralelepípedos da Rua Direita ecoam sons de longe percebidos. Uma massa diversificada, que no aglomerado se funde em um mosaico de cultura e variedade. As risadas e as prosas lá começam ou se findam.
Antônio Marciel se tornou dono do boteco em 1982. Sua intenção era permanecer com o bar por cinco anos, mas desde a aquisição já se passaram 32. Na época, o estabelecimento se chamava Lanchonete Ideal, mas já era muito conhecido como Barroco. “Sempre escutava as pessoas referirem ao bar como Barroco, então decidi colocar o nome oficialmente.” Ele não sabe ao certo como o local ganhou essa fama, mas acredita que seja pela região onde está inserido: igrejas, museus e esculturas do mestre Aleijadinho permeiam as proximidades. Algo é certo: a história do bar está fortemente atrelada a da região e de seu povo.
A decoração coletiva, composta de palavras, nomes e sentimentos deixa os frequentadores mais à vontade e é um dos grandes diferenciais do local. Antônio conta que a prática começou com um antigo cliente, o Pregão, que participa dos momentos descontraídos o bar até os dias de hoje. “Ele sempre escrevia nas paredes, e isso me irritava muito”. O dono recorda quandohavia pintado o bar recentemente, e viu o “cliente teimoso” a escrever no banheiro. “Está escrevendo aqui? Pintei o bar dia desses!”
Posso escrever meu nome?
Com o tempo, a tradição das marcas nas paredes se fortaleceu. Todos que ali frequentavam começaram a pedir permissão para deixar seus registros espalhados pelos cantos. O proprietário, então, cedeu. “Aprendi a gostar dele assim”, disse.
Os vínculos criados no boteco transcendem os limites do lugar mesmo na sobriedade. A partir de uma mesa de bar, pessoas criam memórias inesquecíveis. O dono se lembra de uma vez em que houve um pedido de casamento simbólico lá dentro. E através das amizades que fez, Antônio teve a oportunidade de viajar, e frequentar repúblicas e formaturas de ex-alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O carinho e a interação entre ele e os frequentadores é muito grande. “ Os clientes são ótimos! Um olhar meu e eles já sabem o que quero dizer. Já sofri muitos aborrecimentos aqui também. Mas os bons momentos, envoltos de alegria e muita amizade sobressaem”, afirma com uma expressão de satisfação.
A coxinha do Barroco já foi eleita pela revista Seleções como a melhor do Brasil. O salgado, que se tornou um dos ícones do estabelecimento, era produzido no bar antes mesmo de ele estar sob a direção atual. A receita original veio de Dona Geralda, que embora hoje esteja aposentada, foi uma das responsáveis pela fama e carinho atribuídos ao Bar das Coxinhas
"O Barroco faz parte da minha história. Criou uma identidade"
O encontro de diversos públicos nem sempre foi um cenário comum no lugar. Antigamente frequentado só por homens, foi a amizade entre repúblicas masculinas e femininas que fez do Barroco um ambiente de união e descontração sem qualquer distinção.
Luís, que aos 12 anos conheceu a coxinha barroca e aos 16, com o irmão mais velho, a pinga com mel, não passa um final de semana sem visitar o bar. Entre cervejas e amigos, o advogado conta como sua história de juventude é atrelada ao estabelecimento. “O Barroco fez parte da minha adolescência. Minhas primeiras saídas com os amigos foram pra cá beber pinga com mel e escrever nas paredes. Toda vez que bebia um pouco a mais escrevia. Tem meu nome mais de 10 vezes aqui”, ri ao relembrar.
Não importa há quanto tempo frequente, o bar agrada tantos os moradores, como Luís, quanto os turistas. O peruano Javier Avris Chavez conheceu em um dos entardeceres da cidade o tão famoso boteco, e já esbanjava elogios, com destaque para o ambiente interativo e as coxinhas.
Mais adiante foi a vez do goiano Gil Santiago, estudante de Artes Visuais , conhecer o bar. A primeira impressão foi como esperado, positiva. O jovem, que recebeu indicação de um amigo para visitar o bar e comer a especialidade, disse que achou o lugar muito bonito com sua estética undergroud. “ Um amigo disse que eu comeria a melhor coxinha do Brasil. Ainda não comi todas do nosso país, mas ouso dizer que é a melhor que já experimentei”, diz em tom descontraído.
O elo entre o Barroco e a Rua Direita é muito forte, interdependente. Nessa influência mútua, um atribui parte da identidade ao outro. O estudante de Artes Cênicas na UFOP, Giovany De Oliveira, chegou a frequentar o bar diariamente no passado, e ainda hoje o tem como um dos principais pontos de referência para novas amizades e interações espontâneas. Para ele, a vida do bar e da rua estão interligadas, traçadas por laços muito sólidos.
“Fico pensando o que seria da Rua Direita sem o Barroco. A alma da Direita passa por aqui. Tudo o que eu admiro nesse lugar vai se perder. Isso aqui é o barroco.Somente tudo isso!” Giovany de Oliveira
Mais do que um bar, uma família.
Moradores, visitantes e estudantes percebem os legados do bar. Aliás, é possível reconhecer lá uma família, onde a união e a alegria permanecem. Estar no Barroco, como o próprio dono diz, “é estar de férias o tempo todo”.
A provável mudança do estabelecimento remete a um clima confuso, uma fusão de nostalgia e ao mesmo tempo a expectativa de que o novo conserve toda a identidade e energia do velho. Antônio diz que “é a energia que sinto nesse lugar que me faz continuar, sem ela eu não estaria por aqui. Vou tentar levar o máximo dela para o novo local”.
Espera-se que no “futuro Barroco” o espaço das sensações e sentimentos das pessoas, dos encontros e reencontros, não se percam no tempo e continuem a ser produzidos.