BOM DIA OURO PRETO: ESTOU LONGE MAIS NÃO TE ESQUEÇO!
Reflexos
Um certo dia em julho de 1972, sentado na calçada da estátua de Tiradentes, mostrava ao Álvaro Apocalipse meus bicos de pena. Ele olhou, olhou, virou-se e me disse: A arte vai ganhar um engenheiro, ou a engenharia vai ganhar um artista? Não me esqueço desse momento. Formei-me em engenharia em dezembro de 1974. Malas prontas por minha mãe Maria, de paletó novo, sapato engraxado, despeço-me de Ouro Preto. O ônibus que saía de Belo Horizonte chega a Cubatão, próximo da siderúrgica onde seria meu primeiro emprego.
Pego a mala e olho em volta o turbilhão de poeira, de operários de obras, esgoto, chão sujo e fumaça prá todo lado. Era o que ia enfrentar. Naquela época, em Cubatão, era onde morriam mais crianças com deformações no cérebro devido à poluição. Após o dia de trabalho eu escrevia, escrevia sobre as mãos, as cabeças e sobre o concreto.
Em 1977 fui para Viena, Áustria, fazer pós-graduação. Tinha na cabeça o alemão que comecei a aprender com Jair Inácio, meu tio, amigo e vizinho, na Rua do Barão, onde ainda mora minha mãe. Viena, outro mundo. Daí rodei pela antigas Cortinas de Ferro da Iugoslávia, Romênia, Bulgária e Hungria: outras Europas. As inquietudes sobre a alma humana, muitas nascidas das conversas diárias com Jair em sua biblioteca, me fizeram emocionar em Delfos, na Grécia. Outras vertigens.
Um dia em 2011, já morando no Rio de Janeiro, encontro, na minha descoberta do Facebook o Leo Soares. Quem era? Meu professor de violão clássico nos Festivais de Inverno de 1970 e 1971. Marcamos um encontro. Leo é de novo meu professor de violão. Sinais de luz.
Em junho de 2012, filhos criados e independentes, resolvo me aposentar. Declino de ter carro, compro uma bicicleta, estudo violão, leio muito, ando de bicicleta e transporte público. Curso Filosofia Contemporânea na PUC. Começo a passar a limpo as anotações das andanças, à procura da profecia do Álvaro.
Volto frequentemente a Ouro Preto. Quando passo pela curva de chegada ainda na rodovia, vejo o Asilo dos Velhos que meu pai batalhou para ver construído. Os morros onde buscava lenha, andava nos fins de semana já não são os mesmos, nem a lagoa e Pocinho onde aprendi a nadar não mais existem. Restam, sobretudo, os familiares, os amigos, os professores, as janelas e telhados, muros de pedras originais, o papo na rua e as lembranças: Meu pai, minhas avós, meus irmãos Carlos, Jair, Katu, Domitilla, Elisabeth Bishop e tantos outros que fizeram parte importante em minha vida e andanças.
A coluna BOM DIA OURO PRETO! é um ponto de encontro dos moradores da cidade. O foco são pessoas que nos atendem no cotidiano, com a maior gentileza no seu trabalho.
Desta forma, nesta coluna, elas se tornam as estrelas por um dia. Vamos curti-las?