Perde a cidade de Ouro Preto um dos seus mais ilustres filhos da geração dos anos sessenta. O jornalista Antônio de Pádua Rodrigues, Pádua, como era chamado na intimidade, Tonico para os correligionários da época de sua militância estudantil e do Partidão ( ex-PCB), era personalidade muito plural para o pouco espaço de uma nota de condolência. Merece, entretanto, destacar algumas de suas virtudes porque as cidades se agigantam pelos valores daqueles que a enobrecem.
Foi, ainda secundarista, líder estudantil do tempo da União Colegial Ouro-pretana (UCO) cuja atuação incansável e inflamada lhe trouxe o apelido "Brizolinha" que, embora diminutivo, muito o honrava pela identificação com o líder mais popular desse período anterior ao golpe de 64. Sua vocação pública era então exercitada na mais recomendada época da vida quando a seiva do amor ao próximo é nutrida pelo espírito jovem de quem quer mudar o mundo. Essa experiência marcaria para sempre o seu caráter solidário.
Se as posições políticas o faziam afastar dos que dele discordavam, poucos como ele cultivaram tanto a tolerância pelo lado da solidariedade humana. Não raro procurou muitos desafetos, abrindo o coração para permanente diálogo. Eu ficava perplexo com aproximações que ele fazia, por iniciativa própria, de antigos detratores, alguns até delatores de companheiros que padeceram a repressão política da ditadura e, como no seu caso, foram barbaramente torturados. Mas não o fazia por bajulação, fraqueza de caráter ou mudança de posição política. Quem o conhecia de perto, sabia que a sua bondade extrema não lhe permitiria conviver no mesmo espaço urbano sem cultivar a abertura para o próximo, indiferente ao que fizesse, mesmo contra ele.
Sabia ser cordial no mais singelo traço de abordagem do idoso, da criança, do jovem, com palavras ou indagações que a todos cativavam, a exemplo de "oi, menina!" para cumprimentar as mulheres, indiferente à idade. Irado, apenas quando provocado por assuntos de natureza política, era capaz de expressão original que só o calor da emoção e muita imaginação sabe inventar como f.d.p de folha larga, após troca de insulto com membro da TFP que o indignara, e que, afinal, virou uma das formas antológicas com que ele brincava e se referia a seu grande amigo já falecido Geraldo Rita. São muitos casos pitorescos em que foi autor e protagonista de cenas memoráveis. Após uma semana de congresso estudantil no Rio, todos reclusos e sem direito a banho, em plena ditadura, encontrou seu grupo de Ouro Preto saindo da praia e logo observou: Cês tão parecendo pato! Tinha raro senso de humor e oportunidade, talvez assimilado na convivência desde a infância com o seu tio, o vereador Zé Rodrigues, de quem certamente herdara o sangue político e a verve do xingamento despudorado.
Deixa saudade a forma leal e amiga com que tratava indistintamente a todos, revelando o traço de humildade que os anos foram aprofundando. Preocupou-se o tempo todo com a sua cidade e a sua gente. Buscava ser o fiel da balança na conciliação de tantas posições divergentes que o seu esforço parecia por vezes quixotesco. Não desanimava...E tinha sempre o espírito renovado!
Ele nos surpreendeu há três anos com a moléstia grave. Começava seu calvário. Não o reconheci de imediato, dada a mudança brusca que a doença lhe causou. Não via aparente motivo que a justificasse, tendo em vista sua vida sempre regrada, o hábito de esporte que acabou por incorporar e sua herança genética. O que terá então ocorrido de mais profundo que o vitimou precocemente? Nunca será possível descer à intimidade de sua alma para descobrir a raiz da verdade psicológica de onde, então, provavelmente originou esse mal. Mas é possível perscrutar que o mistério da paternidade inconfessável sempre rondou sua vida privada e que tenha feito tudo para poupar à exposição pública a honra de sua mãe querida e daquele tio que o educara. Não será isso tão pesado ônus que por toda a vida assumiu suportar desde a infância?! Falecidos todos os atores, não será mais o momento de ocultar e sim, de reconhecer, em sua homenagem, a prova desse extremo amor oblativo que o fez devotar-se ao outro mais do que a si mesmo, pondo em risco a saúde e, afinal, a própria vida!
Foto Victor Godóy