Coluna Gê Fortes
Neste lugar eu nasci e vivi, infância e juventude, cidade encantada, com seu amanhecer rosado e cinza; com suas luzes difusas; e suas névoas bíblicas, de onde pode surgir, a qualquer momento, tanto uma dádiva, quanto um cataclismo; apresentando sua neblina camuflante, enganadora e esclarecedora; trazendo sua garoa purificadora e seu sol recolhido, profundo como a alma mineira; e suas montanhas, seguras de que os profetas a elas virão. Com o pico do Itacolomy e as torres das igrejas, todos nos elevando aos céus, de forma, ao mesmo tempo, mística e fálica; delineando as corcovas pré-históricas de seus telhados; e contrastando o branco grego caiado com o verde da vegetação e com o acinzentado das nuvens, conscientes de seu papel secundário; definindo a descontinuidade geográfica, harmônica e desencontrada das construções, quebrando a monotonia das casas justapostas; verticalizando o acaso de suas ladeiras intermináveis, onde subir ou descer tem o mesmo compasso. Envolvendo e angustiando com o abraço que uma rua preenchida de casas geminadas, em ambos os lados, pode proporcionar; e recompensando com a liberdade, respiração e desafogo, que uma ampla praça pode permitir; com as emoções entremeadas, confusas, mas lúcidas, que pode provocar por seus contrastes; mostrando um por do sol, que é morte tranquila e ressurreição curiosa, sedenta; e apresentando uma lua que, seguramente, determinou aquele cenário, para brilho mais belo que em qualquer outro lugar da terra: como o ouro que a gerou, Ouro Preto é cinza, escura, mas reluzente, brilhante, rica, e capaz de despertar a cobiça da descoberta e da riqueza, neste caso, interna, desambiciosa.
Orlando Ramos mora em Salvador (BA). É consultor e projetista de restauro de bens móveis e integrados.
A coluna BOM DIA OURO PRETO! é um ponto de encontro dos moradores da cidade. O foco são pessoas que nos atendem no cotidiano, com a maior gentileza no seu trabalho.
Desta forma, nesta coluna, elas se tornam as estrelas por um dia. Vamos curti-las?