Minas tem R$257 milhões para recuperar bens históricos, mas falta profissionais especializados
Deterioradas há décadas, capelas, monumentos e sobrados históricos ganharam um alento no ano passado. Anunciado em agosto de 2013, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas contempla 98 obras distribuídas em oito cidades. São R$ 257 milhões em recursos assegurados para evitar que as edificações se transformem em ruínas. Porém, a conquista da verba não garante a intervenção necessária.
Passados 15 meses da liberação do aporte financeiro, a maioria dos projetos de restauro está atrasada e há apenas uma obra em andamento. O entrave passa longe do eventual descaso de prefeituras ou demais órgãos envolvidos, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Falta mão de obra experiente e gabaritada para assumir as reformas. Os serviços, considerados de alta complexidade, exigem conhecimento diferenciado.
Só em São João del-Rei, no Campo das Vertentes, sete das 15 licitações não tiveram interessados no primeiro chamado público. Em uma delas, o edital já está na terceira publicação. Todas as intervenções serão executadas pelo Iphan. “Inicialmente, o PAC era um programa exclusivo para obras. Depois que se liberou o dinheiro, a situação mudou. As prefeituras tinham projetos, mas cerca de 80% deles tiveram de ser revistos. Falta qualificação para elaborar os reparos necessários”, destaca o consultor do Iphan Fernando Marques.
Camargos
A 164 quilômetros de São João del-Rei, a histórica Mariana, na região Central, também aguarda a execução de 20 obras do PAC, entre restaurações, requalificações e implantação de novos espaços. No total, são mais de R$ 67 milhões assegurados.
A situação é mais delicada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no distrito de Camargos, a 20 minutos do centro histórico. Parte do telhado cedeu e uma das torres está comprometida. Há rachaduras nas paredes, e os sinos estão quebrados. Até uma árvore brotou na cimalha – peça decorativa usada também para dar sustentação ao telhado. O projeto de restauro ainda está em análise e não deve ser contratado antes de abril.
A secretária de Obras e Planejamento de Mariana, Fátima Guido, reforça que os atrasos nas obras é justificado, principalmente, pela falta de profissionais disponíveis no mercado. Porém, ela mostra otimismo para o restante do processo. “Demorou para conseguir as melhores equipes, mas, agora, a maioria dos projetos está correta e terá mínimas revisões, se necessário”. Segundo ela, todas as obras estarão em andamento em 2015.
Para evitar que a igreja de Camargos venha abaixo em pleno período chuvoso, uma obra emergencial será feita pela prefeitura e Iphan. Lonas e escoras estão entre as medidas que devem ser tomadas. “Ver esse templo reformado é um desejo antigo e um sonho para a nossa comunidade”, afirma o aposentado João Carlos, de 84 anos. Há mais de duas décadas, ele mora em frente à capela do pequeno vilarejo.
Aguardando análises
Outras intervenções esperadas para Mariana são a reforma da antiga Casa de Câmara e Cadeia e a recuperação da Igreja de São Francisco de Assis. Esta última é considerada um dos cartões-postais mais simbólicos de Minas. O templo do século 18 está com as portas lacradas há três anos. Há infiltrações, pintura danificada, trincas no arco do cruzeiro, escadas quebradas e elementos artísticos deteriorados. O projeto básico de restauro está aprovado, mas ainda falta a análise de projetos complementares.
Verba do programa federal prevê contratação de obras até 2015
OURO PRETO – A demora na restauração das edificações seculares, obrigando que portas fiquem lacradas e os espaços longe dos olhos de turistas, lança um alerta. A verba de R$ 257 milhões do PAC das Cidades Históricas está prevista nos orçamentos de 2013 a 2015 do Ministério do Planejamento. Desta forma, todas as obras devem estar contratadas até o fim do ano que vem. Do contrário, as construções permanecerão deterioradas e sem previsão de reforma.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) garante que o risco é mínimo, mas não descarta a hipótese. O órgão trabalha com a expectativa de que todos os projetos de engenharia sejam contratados até o fim deste mês. Porém, cada plano de restauro leva até seis meses para ficar pronto. E ainda existem os prazos legais de recursos, previstos nas licitações, e análises de planilhas de custos.
Atualmente, a única obra em andamento é a restauração da igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, na região Central. O templo é um dos mais antigos de Minas, datado de 1707, e guarda o túmulo de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Os problemas mais graves estão no forro da capela-mor e no telhado da nave. A intervenção é delicada e deve ser finalizada apenas no 1° semestre de 2016.
PECULIARIDADE
Com mais de 40 anos de atuação na área, a restauradora Maria Regina Reis Ramos reforça a peculiaridade de trabalhos como esse, de Ouro Preto. Segundo ela, um dos principais desafios na recuperação das edificações é “equacionar” aspectos característicos das obras. “O restauro leva em conta, sempre, a harmonia entre a parte física, os elementos artísticos e o valor histórico do imóvel”, destaca a técnica, que é uma das mais renomadas de Minas e sócia do Grupo Oficina de Restauro.
Na maioria dos trabalhos, acrescenta Maria Regina, os restauradores buscam modificações mínimas e a manutenção de elementos originais. Motivos que endurecem as regras impostas nas licitações. “Os editais são rígidos e algumas empresas e profissionais mais novos, muitas vezes, não têm essa experiência”.
As palavras dela são amparadas pelo secretário de planejamento e coordenador das obras do PAC em Congonhas, Antônio Odaque. Na cidade, estão previstas dez obras e R$ 25 milhões em verba federal. Segundo ele, há poucas empresas especializadas no país. “Tivemos alguns editais que, por duas ou três vezes, ficaram sem interessados. Além disso, o PAC das Cidades Históricas acontece em vários estados brasileiros, atualmente. Isso dificulta ainda mais a presença de firmas de outras localidades em Minas”.
Para agilizar os processos, o Iphan se viu obrigado a modificar parte das regras. “Normalmente, pedimos que todos os profissionais envolvidos tenham experiência em restauro. Em alguns projetos, considerados de menor complexidade, foi exigido que apenas arquitetos responsáveis pela obra tenham experiência, extinguindo a obrigatoriedade de profissionais da parte elétrica, por exemplo”, explica o consultor do Iphan Fernando Pimenta Marques.
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Foto: Casarão dos Morais, em Mariana, integra a lista do patrimônio histórico degradado por falta de conservação (crédito Flávio Tavares/Hoje em Dia)