Aline Monteiro - Fotos: Leo Homssi
Era 2008 quando a Igreja de Nossa Senhora das Dores, no distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, deu um sinal. Numa quinta-feira, uma das tábuas do forro se soltou e cai no chão com grande estrondo. A comunidade do entorno se assustou com o barulho. Felizmente, não havia ninguém lá dentro na hora da queda e não houve feridos. Porém, a tábua solta dizia muito: a igreja precisava, urgentemente, de uma intervenção no telhado, para não perder ainda mais o forro da nave e o outro, da capela-mor. A infiltração era grande, já podendo ser vista em várias partes do teto. A decisão foi fechar o templo e batalhar pela reforma.
Dois anos depois, em 2010, um motivo de comemoração: a igreja obteve o tombamento municipal e, em seguida, foi liberado um recurso do Fundo Municipal de Preservação, que possibilitou o conserto do telhado. O trabalho retirou oito caçambas de entulho e mostrou mais: mesmo que uma tábua do forro da nave tivesse se soltado, era o telhado da capela-mor que mais precisava de auxílio. Dele, quase nada foi aproveitado. Com o telhado pronto, a igrejinha pôde, enfim, voltar a ser aberta e a ter missas, que são celebradas uma vez por mês.
Em vez de respirar aliviada com a reforma, que protegeu os dois forros, a comunidade das Dores de Cachoeira do Campo precisou correr para conseguir mais intervenções na igreja. Os projetos elétrico, arquitetônico e de elementos artísticos foram licitados pela Prefeitura e estão prontos e aprovados. Mas ainda não foram captados.
“Como a igreja só tem o tombamento municipal, temos dificuldades em conseguir o patrocínio de empresas e órgãos públicos”, explica Rodrigo Gomes, morador do distrito e um dos articuladores pelo restauro completo da igreja. A comunidade, a arquidiocese, a prefeitura de Ouro Preto e empresas privadas podem contribuir para o restauro, mas até o momento não houve avanços concretos. O valor total dos projetos está em torno de um milhão de reais.
Rodrigo explica que igrejas e outros bens com tombamento estadual ou federal podem conseguir verbas com mais facilidade, via bancos de incentivo. Foi o que aconteceu com a Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, também em Cachoeira do Campo, a primeira igreja brasileira a ser restaurada com recursos do PAC Cidades Históricas. “Sem esses outros níveis de tombamentos, estamos fora da prioridade”, esclarece. Mas ele acredita que, mesmo tendo apenas o tombamento municipal, a Igreja das Dores merece um olhar mais atento das autoridades. “Vendo como ficou a Matriz de Nazaré, a gente queria o mesmo para a Igreja das Dores. Isso dá esperança. Depois de ter batalhado tanto pela Matriz, meu próximo objetivo é conseguir o restauro daqui, mesmo que seja mais difícil”, pontua.
Rodrigo destaca que esta é a primeira igreja com invocação de Nossa Senhora das Dores construída no Brasil. “Encontramos um documento no Arquivo Ultramarino de Lisboa (Portugal) com a petição dos Irmãos das Dores para captarem esmolas a fim de construir a igreja. A Coroa Portuguesa concedeu. A data do documento é de 35 anos antes da data inscrita na cantaria do óculo: 1761”, conta Rodrigo. Depois desta, outras igrejas com a mesma invocação foram criadas no país.
Há uma tradição, não confirmada por registros históricos, que diz que a Igreja das Dores de Cachoeira do Campo foi utilizadas pelos Inconfidentes para fazer suas reuniões e, também, para vigiar o palácio de campo do governador. A casa pode ser avistada do alto da torre. Hoje, funciona ali um colégio de freiras.
Cemitério
O cemitério, ao lado da igreja, é anterior à construção do templo. Isso porque o local foi escolhido às pressas, para sepultar os corpos dos combatentes da Guerra dos Emboabas, que teve o seu apogeu no distrito, em frente à Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. Foi chamado de Monte Calvário o alto do morro escolhido para o sepultamento, sem identificação, dos mortos em combate. Posteriormente, foi construído o muro de pedras que cerca a área. A Igreja das Dores foi construída ao lado, alguns anos depois. O cemitério passou a ser responsabilidade da irmandade. Por conta disso, não foi necessário utilizar campas de madeira no interior da igreja, e o chão foi calçado com lajotas de barro cozido. Em duas delas, destaca-se o registro das patas de um cachorro, que provavelmente foram feitas no mesmo local .
Interior
A Igreja de Nossa Senhora das Dores se destaca pela simplicidade. O interior singelo tem elementos bastante simples e, por isso mesmo, harmônicos. O chão de lajotas de barro cozido já informa: é uma igreja mais sóbria, com menos elementos artísticos, tão característicos do período barroco. O púlpito e sua escada, ambos em madeira, também deixam claro que a irmandade responsável pela construção do templo não era rica.
Porém, uma coisa salta aos olhos de qualquer visitante. O forro da nave, que retrata os passos da Paixão de Cristo, do Horto das Oliveiras até a ressurreição, foi pintado por um artista anônimo com inspiração medieval. “Na época, chegaram ao Brasil bíblias ilustradas com imagens medievais. É possível que elas tenham servido de inspiração para quem trabalhou aqui”, explica Rodrigo Gomes. Os quadros foram pintados com esmero e trazem um estilo totalmente diverso do barroco mineiro. Eles terminam com três imagens após a ressurreição de Jesus, que mostram anjos segurando os objetos do flagelo de Cristo (os cravos e a coroa de espinhos) e a toalha que secou o rosto do Messias, onde sua face ficou gravada. Faz parte desse forro a tábua caída em 2008. Ela está guardada, no coro, aguardando o restauro. A reforma do telhado possibilitou o escoramento do forro, o que impede que outras tábuas se soltem.
Com a construção posterior das torres, dois desses últimos quadros da via sacra do forro foram cortados. Apenas uma das torres tem sinos, com data de 1810 e 1898, e somente por ela é possível avistar o antigo palácio de campo do governador.
Ainda na nave, o solitário altar lateral possui retábulo em madeira, imitando elementos artísticos que seriam feitos em madeira talhada e posteriormente dourada, caso houvesse recursos para isso. Em cantaria, apenas duas pias de água benta, ladeando a porta de entrada.
A capela-mor tem uma particularidade, também no forro. Há uma pintura primitiva, vista apenas por meio de dois recortes, já que várias camadas de tinta foram passadas por cima. É possível que o restauro consiga mostrar mais dessa pintura original.
Por cima da tinta há um enorme ex-voto, feito a mando de um fidalgo da região, não identificado. A pintura retrata Nossa Senhora das Dores morena e de sandálias, com o coração transpassado por seis espadas. A sétima é infligida pela própria santa no peito de um fiel que está aos seus pés. Em latim, a inscrição “Consoladora dos aflitos”. No chão, uma tentativa de representar o piso de cerâmica da capela. “Este é considerado um dos maiores ex-votos do Estado”, afirma Rodrigo, apontando para o teto.
Uma das tábuas do teto da capela-mor também caiu, após o fechamento da igreja e antes da reforma do telhado.
Imagem
A imagem de Nossa Senhora das Dores foi construída em roca e pintada, sob as roupas, com finos desenhos de motivos florais. O mesmo desenho está na parte interna do oratório que abrigava a imagem quando ela chegou à igreja. O coração da virgem, como é tradicional na iconografia cristã, é cravejado por sete espadas. A imagem tem os braços articulados.
Quando a tábua do forro caiu, a imagem foi retirada da igreja e está, até hoje, guardada em local seguro e não revelado. Além do risco de danos, com o problema do telhado, ainda há a questão da segurança, contra roubos. Porém, ela volta ao altar em todas as missas que são celebradas no templo. Também é a imagem que sai às ruas em Cachoeira do Campo, durante a celebração da Semana Santa.
Devoção a São Judas Tadeu
Quando a comunidade das Dores estava aflita, ansiando pela solução do problema do telhado, foram feitas novenas e encontros de oração. Veio, aí, a decisão de apelar para São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis e desesperadas. Quando a igreja teve o telhado reformado e pôde ser aberta novamente, a devoção a São Judas Tadeu continuou. A imagem do santo foi inserida durante uma cerimônia oficial, devidamente abençoada.
Visitação
A Igreja de Nossa Senhora das Dores de Cachoeira do Campo está fechada para visitação. Porém, é possível agendar com a paróquia, pelo telefone (31) 3553–1796, visitas com acompanhamento dos paroquianos, seja para turistas ou para escolas.
Devido à proximidade com a Igreja Matriz, as missas na igreja são realizadas sempre no quinto sábado dos meses impares, às 19h.
A novena perpétua em honra a São Judas Tadeu é realizada todo dia 28, com a abertura da igreja às 18 h e a celebração às 19h, exceto aos domingos, onde a igreja fica aberta de 15 às 17 hs.
Serviço:
Website: www.igrejadasdores.com.br
e-mail.: igrejanossasenhoradasdores@gmail.com
Fanpage: www.facebook.com/igrejadasdores1761