Tardinha ensolarada em Ouro Preto. Estou na Casa dos Contos com minha cerâmica expondo
juntamente com artesãs dos bordados, dos cheiros e dos santinhos.
Num dado momento, ouço pela janela, o solo de um acordeom. Apuro meus ouvidos. A música
é dos anos 70. Caminhando, de Geraldo Vandré, música marcante naqueles tempos de
chumbo. Levanto para saber de onde vinha aquela música e vejo, logo ali na frente, na ponte
dos Contos, um jovem de camisa listrada e nariz de palhaço. É ele o sanfoneiro.
Fico olhando aquela figura bizarra e toda aquela situação me transporta aos anos 70. Cine Vila
lotado. Chico Buarque de Holanda está dando um show acompanhado pelo MPB4. No fundo
do cinema estão soldados perfilados, armados com cassetetes tamanho família e cães. O show
acontece.
Num dado momento, alguém no público pede uma música: “Apesar de você. ” Em seguida
toda a plateia se levanta gritando: “Apesar de você”!
Chico começa a rir, nervoso. Anda de um lado para outro no palco. Não canta. Esta música
estava proibida pela censura, mas o público não desiste. Faz melhor. De pé, toda a plateia
começa a cantar:
“Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda
falando de lado, olhando pro chão, viu? Você que inventou este estado, ora tenha a fineza de
desinventar. Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão”
Os soldados não se mexeram. Chico só ria e andava pelo palco enquanto a plateia cantava a
música inteira. Momento tenso e emocionante.
E foi assim que o show terminou no Cine Vila Rica em Ouro Preto, 1973.
E agora, num momento tão diferente, fico ouvindo aquele jovem que canta sem noção das
lembranças que traz a quem foi jovem nos anos 70.