Antes de mais nada, quero deixar claro que não sou contra a atividade turística em Ouro Preto, nunca fui e nunca serei, não é isso o que eu quero dizer com a afirmação do título, mas acredito que devemos refletir melhor sobre as prioridades que tentam impor para a cidade, principalmente para o perímetro tombado.
Sabemos que existe uma rejeição de boa parte dos ouro-pretanos à atividade turística. Um certo "desconforto" sentido por eles, como se estivessem perdendo algo com o turismo, e sendo “deixados de lado”. Sabemos também que essa mesma maioria enxerga o patrimônio como algo externo à ela, destinado ao turista, ou, ao “povo de fora”, “ao forasteiro”, para citar alguns dos termos usados por muitos aqui.
Este “desconforto” tem raízes históricas, que não devem (e não podem) ser apagadas ou desconsideradas. Aqui, foram enraizados modos de vida, discursos e crenças que visavam o enriquecimento de alguns e a exploração, e a exclusão, da maior parte da população. Infelizmente, com algumas atualizações, isso continua sendo perpetuado até os dias de hoje por alguns setores da sociedade que visam o monopólio econômico, e que usam da justificativa de que estão gerando emprego e renda para o município. Esta é uma das razões de boa parte dos ouro-pretanos rejeitar o turismo, e eu não tiro a razão de quem o nega, pois há consistência no “desconforto”, há verdade nele.
Nos últimos anos, desenvolvi vários projetos de promoção da arte e da cultura locais, sempre visando construir discursos que ressignificassem, de alguma forma, o valor da nossa cultura e da nossa arte popular, principalmente aos olhos dos seus pequenos produtores e artesãos. Recentemente, propus uma ação de educação patrimonial para as escolas particulares, que também foi oferecida ao ensino público municipal (que a rejeitou, diga-se de passagem), e, neste processo, deparei-me com a teoria de aprendizagem construtivista.
Resumidamente, o construtivismo propõe que o aluno seja um sujeito ativo na construção do conhecimento, e o professor um mediador dessa construção. Para isso é fundamental situar o aluno em seu meio, estimulando a sua interpretação, o seu entendimento, o seu senso crítico. Os métodos construtivistas contribuem para a formação de indivíduos com maior consciência social, maior senso de coletividade, e indivíduos mais responsáveis, pois é fornecida maior autonomia em seu processo de formação, ou seja, eles são valorizados no processo, e adivinhem no que isso, obviamente, vai resultar? Em indivíduos mais confiantes.
O recente contato com o construtivismo fortaleceu as minhas convicções acerca da principal função que o patrimônio de Ouro Preto deve exercer na atualidade, e de qual seria de fato a vocação natural da cidade. Fiquei me perguntando o por quê de Ouro Preto ainda não ser uma referência no ensino básico nacional, estando as escolas aqui imersas em um contexto denso e riquíssimo de histórias, arte e cultura brasileiras. O que está faltando para uma maior integração das escolas com este patrimônio? O que falta para a educação patrimonial deslanchar de vez em Ouro Preto e contribuir para a formação de indivíduos sociais altamente conscientes, capacitados, de senso crítico apurado?
Talvez, seja necessário a formulação de métodos próprios, já que o nosso meio é tão singular. E que tanto as escolas públicas, como as privadas, investissem em formas atualizadas de mediar o encontro do aluno com a sua cidade, afinal, estamos quase em 2020, as linguagens usadas na década de 1990, ou mesmo nos primeiros anos deste século, já se tornaram obsoletas.
Está na hora dos ouro-pretanos criarem essa consciência e agirem nessa direção. A cidade foi construída sim para poucos usufruírem, para o “forasteiro” (explorador) enriquecer, mas, agora, é nosso dever nos apropriarmos dela de maneira inteligente, e a educação é o caminho. Essa é a apropriação que deve ser realizada pela população, e exigida por ela, não a de um comércio que descaracteriza o casario tombado, ou a de eventos que colocam em risco várias estruturas e geram caos na cidade, ou a de um amontoado de carros e motos que, minimamente, prejudica a mobilidade dos pedestres. Isso está longe de resultar em progresso, longe de qualquer racionalidade, aliás, é a inversão de qualquer tipo de construtivismo, pois é a própria destruição.
O centro histórico não pode ser apenas um cenário para atender demandas de mercado do século XXI, justificado por um discurso de geração de emprego e renda, pois sabemos muito bem que essa lógica e esse discurso atendem aos interesses econômicos apenas de alguns (como lá no século XVIII), e intensificam a desigualdade social, em que muitos trabalham em subempregos para o enriquecimento de poucos.
Neste sentido, afirmo, a vocação natural do patrimônio de Ouro Preto não é mercadológica, como muitos pensam e querem impor essa ideia como senso comum. É pela educação que o ouro-pretano passará verdadeiramente a se apropriar da sua riqueza. O nosso patrimônio deve possuir a função primordial de ser uma ferramenta de construção de conhecimento, que irá proporcionar, principalmente às novas gerações, consciência social e senso de responsabilidade, e, portanto, confiança e autoestima. Para isso precisamos do patrimônio inteiro e preservado, e de mobilidade para as crianças e os jovens transitarem com segurança no espaço urbano.
Antes de concluir, é necessário fazer uma breve comparação, ao contrário da lógica do construtivismo que propõe dar mais autonomia ao indivíduo, posicionando-o como sujeito, e desenvolvendo nele autoestima e confiança através do senso de responsabilidade social, o capitalismo posiciona o indivíduo como mero objeto, que irá consumir tudo o que é colocado no mercado, tirando-lhe a autonomia, inibindo a prática do pensar e o desenvolvimento do senso crítico no cidadão, através de uma enxurrada de discursos, estímulos visuais e sonoros, e tecnologias que lhe impõem uma ação (como sendo a certa), e molda o seu desejo. Em poucas palavras, o capitalismo banaliza tudo e todos.
Novamente, não sou contra a atividade turística, e nunca serei, mas, se desenvolvida por um viés puramente mercadológico, ela se torna uma ferramenta de banalização do nosso patrimônio, ampliando o distanciamento entre boa parte dos ouro-pretanos e a sua cidade. Formar cidadãos é a vocação natural de Ouro Preto, e que os diversos gestores dos diversos órgãos que compõem o turismo do município não percam isso de vista.